terça-feira, 30 de junho de 2015

MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS

Por Augusto César Esteves





(continuação - ver a 6/6/2015))

In nomine Patris et Filii et Spirictus Sancti. Ego Alfonsus Dei gratia Portugalensium Rex pro remedio anime mea atque remissione omnium peccatorum meorum vobis domino Joani Abati de fenales et omnibus fratribus ibidem sub regula Beati Benedicti deo militantibus atque universis successoribus vestris dono atque concedo totum quod in presentarium habeo ab ila vite de Melgazo usque ad terminum de Chavianes quo modo claudit per cotarum et inde usque ad minium. Habeatis igitur vos et omnes successores vestri supra dictum locum evo perhenni. Facta scriptura firmitatis nono Kalendas novembris era MCCXI Ego Alfonsus Rex hanc kartan propriis manibus confirmo.
  
Ego Rex Sancius libenti animo confirmo.
Principe terre illius suerio arias.
Episcopo beltrano ecclesiam tudensem regente.
Fernandus notuit» ([1])

     Estudara o processo em casa; examinara-o com diligência; ponderara o libelo, a contrariedade, a réplica, todas as peças, enfim, e pelo que leu e do processo constava, sentenciou. Os réus julgaram preteridos os seus direitos e com todo o respeito apelaram. Não lhes valeu a pena, porque a Relação do Porto no acórdão lavrado deixou escrito: «Bem julgado foi pelo Juiz de Fora da vila de Melgaço na sentença apelada que confirmam...»
      E o apelante teve de pagar as custas de ambas as instâncias, no total de 37$277 réis e o corregedor, ainda em Melgaço, viu e apreciou aquele curto acórdão, confirmativo da sua ponderação e do seu saber. No fim do mês voltou a sentenciar, mas num processo de inventário, que vinha a arrastar-se pelos tribunais desde 1798 com embargos de terceiro, agravos e apelações e trazia toda a família do morgado do Reguengo embrulhada em demandas.
     Iniciara-o o juiz de fora João Vaz Soares, natural de Abrantes, antes de ser eleito provedor da Santa Casa e mesmo antes, quero crer, da sua esposa Dona Luísa da Piedade Pereira de Almeida aqui dar à luz um filho. Nele havia despachos do Dr. Joaquim Teotónio Segurado, outro juiz de fora, e se os não tinha do licenciado Subagôa e Vasconcelos isso fora devido, possivelmente, ao processo no seu triénio andar pelas casas dos Desembargadores da Relação do Porto. Outros mais, apresentava, e até um deles, reflectindo curiosa faceta da organização judicial da época, saíra dos lábios do conjurado da Casa de ao pé da Matriz, Caetano José de Abreu Soares, despacho de que o Dr. Gama agravara na audiência de 28/1/1802.
          Dera origem ao referido inventário – não se assustem agora os leitores com o tropel de tanta gente – o falecimento de D. Ana Joaquina Rosa de Castro de Noronha Moraes Sarmento, casada com Lourenço Pereira Leite de Barros, senhor da Casa da Tojeira, em São Tiago de Faia, de Basto, de quem descendem os Viscondes de Pereira e Coruche e logo na descrição de bens, D. Caetana Vitória, mãe da falecida, embrulhara tudo, falando até de seu defunto marido, Miguel de Castro Soares de Vasconcelos, o velho morgado do Reguengo, como um estoura-vergas, com dares e tomares na justiça; mas isto fica para ser desenvolvido em ocasião mais propícia, ou seja quando apurar as causas do processo-crime, porque ninguém deixa de ser pessoa de bem, lá porque ensinou qualquer canalha a ser correcto. Ora, o Juiz de Fora, fora recebido pelo Cavaleiro da Ordem de Santo Iago com todas as provas de deferência e não tardou a ser apresentado ao fidalgo galego e a conhecer o premente motivo do convite tão matinal.
  A celeridade vertiginosa dos acontecimentos impressionou-o e surpreendeu-o tanto como as confidências ouvidas àqueles dois cunhados. A conferência estava ainda no princípio quando a fidalga dona da casa introduziu naquela Sala do Conselho mais uma visita, o Licenciado António de Castro e Sousa. Como primogénito do Morgado de Galvão, o Dr. António de Castro Sousa e Menezes era, em Portugal, o imediato e legítimo sucessor desta casa e vínculo e da Capela de Santo António, começada a erguer em 1694 por D. Madalena Felgueiras e irmãs «com o favor de Deus e licença do arcebispo primaz» e, na Galiza, por herança de sua mãe, D. Maria Sebastiana dos Passos Sarmento Puga e Quinhones, havia de ser Senhor dos Morgados de Pontevedra, do de Barouta, no Ribeiro de Avia, em S. Clodio, entre Carvaliño e Ribadávia, do da Boa Vista e da Capela de Nossa Senhora da Conceição, na igreja de S. João de Alveios, jurisdição de Crescente. Nascera em 2/8/1767. Seu pai, Matias de Sousa de Castro e Menezes caíra cedo na orfandade e a sua vida nem sempre correra em mar de leite. Porque a casa estava endividada, foi necessário, mais para fugir à taxa alta dos juros do que para satisfazer ou calar credores renitentes, vender em 1763 alguns bens sitos em Guimarães.
     Certo que seis anos depois, para acrescer à quintazinha do Arrochal, tão maltratada durante a ausência dum velho morgado, e sargento-mor de Monção, comprara naquele sítio mais um campo a Silvestre Esteves e mulher Maria Lourenço, dos Ferreiros, de Prado, mas também, em 1787, teve de transaccionar primeiro com uma das irmãs e seu marido num processo por alimentos e noutro por sonegados e depois com os outros interessados. Arrastavam-se os autos no tribunal desde 1782, mas como não é agora oportunidade de evocar lutas de família à volta dum tacho pequeno, não sacudo o pó dessas folhas enegrecidas e hoje curiosamente conservadas numa prateleira da minha estante.
    A moralidade nada perde com esta fuga, porque namoros houve-os sempre e... atrevidos também. Ora Matias de Sousa, possivelmente por ter nascido franzino e ter atravessado a meninice sempre doente, cortou com a carreira das armas e encaminhou os filhos para o campo das letras. À vida eclesiástica destinou apenas o filho Diogo António, que chegando a tomar ordens menores, casou depois na Casa do Rio do Porto.
  Os outros foram para os estudos superiores, mas o Joaquim de Sousa e o Joaquim de Menezes, filhos de homem enfermiço, não tiveram resistência física para acabarem os cursos, porque um ficou enterrado na igreja do Samuel, termo de Soure, e o outro na de S. João de Almedina, na cidade Universitária. Dos estudantes escapou apenas o Dr. António de Castro que, por certo, recebeu aqui em Melgaço as primeiras lições ministradas por seu tio-avô Frei António de Castro, D. Abade do Mosteiro de Fiães e no fim da vida pároco da referida freguesia de Samuel e abade da igreja de S. Paulo, junto da cidade do Mondego. // Abraçada a carreira das letras, o Dr. António de Castro Sousa Menezes frequentou com brilho a Universidade de Coimbra e muito podia ter convivido com o Dr. José Acúrsio das Neves para do melgacense o autor da História Geral das Invasões Francesas deixar escrito «a sua honra e patriotismo me são pessoalmente bem conhecidos  // (continua)...



[1] Sumário: 1173, Novembro, 1 — D. Afonso Henriques doa ao abade D. João e aos monges do Mosteiro de Fiães quanto possuía desde a [Fonte da] Vide, de Melgaço, até ao limite de Chaviães e desde o Cótaro ao rio Minho. // Documento confirmado pelo rei D. Sancho I, associado ao governo, desde 1169, e subscrito pelo governador da terra, Soeiro Aires, e pelo bispo de Tui, D. Beltrão, e pelo notário Fernando. (J.M.)

domingo, 28 de junho de 2015

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha



Casa do juíz Pinto


A EMIGRAÇÃO E A LÍNGUA PORTUGUESA


     A língua portuguesa é, como toda a gente sabe, uma das línguas neolatinas, isto é, pertence àquele grupo de línguas que tiveram origem no latim, tal como o castelhano, o catalão, o galego, o francês, o italiano, o romeno e o provençal. Não é de admirar por isso que os emigrantes portugueses consigam – em relativo pouco tempo – aprender essas línguas: o seu sistema fonológico e sintático são idênticos. A língua inglesa e alemã já se tornam para nós portugueses, sobretudo para os adultos, mais difíceis de aprender. Vejamos este exemplo em três línguas: - Tenho cabelos loiros e olhos castanhos. // J’ai les cheveux blonds et les yeux bruns. // I have fair hair and brown eyes.
     Como se vê, na língua inglesa a sintaxe (disposição e combinação das palavras na frase) é diferente da sintaxe das línguas neolatinas. Quanto aos vocábulos… nem se fala! É raro encontrarmos semelhanças. Pneu, é pneu em francês e tire (ou tyre) em inglês; guiador, é guidon em francês e handlebars em inglês, etc. Uma coisa, porém, é aprender uma língua, outra coisa é falar essa língua corretamente, isto é, de acordo com a norma constituída. A nossa língua tem duas normas: uma em Portugal e outra no Brasil. Os países africanos de língua portuguesa: Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, adotaram a norma de Portugal, embora surjam desvios bastante significativos, tanto na fonética, como na sintaxe. A norma portuguesa apoia-se nos falares cultos de Lisboa e Coimbra. Os emigrantes portugueses, na sua maioria, são oriundos de meios rurais, possuidores, por conseguinte, de um léxico muito limitado, embora rico de termos tradicionais, os quais constituem o seu património linguístico.
     Com o advento da emigração o léxico do emigrante enriqueceu-se substancialmente porque confrontado com realidades diferentes daquela a que estava habituado. A sua inserção num universo linguístico estranho, num meio por vezes hostil, mesmo de índole racial, levou-o a criar o seu “dialeto”, designado pelos especialistas de emigrês (este termo não é de modo algum pejorativo). Esta nova “língua” é constituída por vocábulos do português e da língua do país onde o emigrante trabalha: França, Alemanha, Suíça, Estados Unidos da América, Canadá, etc. Uma frase como esta, da língua francesa: «Il faut développer le Portugal», em emigrês apresentar-se-ia assim: «É necessário develupar Portugal.» Existe até um pequeno dicionário do emigrês e é impressionante a deturpação da nossa língua. No entanto, facilitou, e facilita ainda, a comunicação entre as comunidades emigrantes. Vamos exemplificar: quem, em Melgaço, tinha baixa por doença? Ninguém. Logo, o emigrante que trabalha em França não diz que está com baixa por motivo de doença, mas sim que está de arreta (arrêt). O salário é peia (paye), a moeda peça (pièce), o lugar é praça (place), subir é montar (monter), encontrar é trovar (trouver), registar uma carta é recomendar uma carta, a mala transformou-se em valisa. Ao ascensor chamam censor, ao desemprego chomage, ao contrato chamam contrata. Quando solicitam ajudam, dizem: - «Dá-me aqui um cu de mão (coup de main). A reforma é retrete (retraite); daí dizerem a Caixa da Retrete, em lugar de Caixa de Aposentações! Os emigrantes que se encontram em países de língua inglesa criaram o portinglês (português + inglês). Ao gelado chamam açucrim (icecream), farmar é dedicar-se aos trabalhos na quinta (to farm); afordar é estar em condições de pagar (to afford); à Beneficência Pública dão-lhe o nome de alferes (welfare); ao conhecido bar designam por barrum (bar room); o homem importante (big shot) passou a ser beguechato; o bacon (palavra ainda não traduzida para a nossa língua) é a beica ou beique; a cerveja é bia; o negócio (business) aqui é muito maltratado – vejam lá: bisnas! Para o frio e para o calor têm o arcandeixa, ou seja, «air conditioner». E ariape, isto é, despacha-te (hurry up) porque é tarde. Não sejas bambo (vagabundo = «bum») e trabalha. Como não se pode baquear, quer dizer: voltar atrás (to back up) vamos dizendo mais uma coisas – se o bossa (chefe) nos deixar, é claro. E como não somos gente de faibrar ninguém (subornar = «to bribe») vamos meter o breique (travão = «brake») na conversa porque isto pode dar checa (barraca = shack») e nem vendendo todas as minhas cheias (ações = «share») poderia pagar os estragos. Vamos então chinglar a nossa fachada (to shingle) antes que me chutem (to shot), isto é, que me atinjam com balas – mesmo que as mesmas sejam de borracha. Metamos então as palavras na clauseta (roupeiro = «closet») e clinemos (limpemos = «to clean») a nossa linguagem. Bebamos um copo (chávena = «cup») de chá, acompanhado de pipocas, que se compram na corna popa (corn popper). Para ir para a Universidade é necessário fazer a escola Alta (Higt School). O espírito (spirits) se for bebido com regra até faz bem. Como hoje estou «off», quer dizer, estou de folga, e não tenho os fletes (pneus) em baixo, vou colocar os meus glassas (óculos) e dar uma volta. Você vá para o gorele (que é como quem diz – vá para o inferno de Dante «go to hell). Como sou um grinone (emigrante recém-chegado = «greenhorn») e para ter algo na despensa tenho que comprar grosserias (artigos de mercearia = «groceries»), mas não posso comer muito senão ainda a imbulança tem de me levar ao hospital (apesar daí haver bonitas norsas, ou seja, enfermeiras). Para não levar o saco (ser despedido = «to be sacked») vou já pagar a lisa (lease) ao senhorio. Como não pretendo pinchar tempo aos leitores (to pinch = roubar) o melhor é ir-me embora, quipar (guardar = «to keep») a esferográfica ou até deitá-la no rabicho («rubbish» = lixo) e vocês tenham um bom tempo (divirtam-se = «to have good time»), tirem um tiquete para a Disneylândia e depois digam como foi. Eu limito-me a ver na tubo (televisão = «tube»).
     Além do francês-português e do inglês-português, poderia também falar do português africânder, do português-alemão, do português-holandês, do português-espanhol, etc. Talvez um dia volte ao assunto.


Artigo publicado no jornal A Voz de Melgaço n.º 941, de 15/6/1991

sexta-feira, 26 de junho de 2015

LEMBRANÇAS AMARGAS

romance

Por Joaquim A. Rocha


(continuação - ver em 5/6/2015)...

- Canalha; malandro! Tens muita queixa, olha que o tirava da boca para to dar, quantas vezes nem comia coisa de jeito, só falam, mas de barriga cheia, pão nunca te faltou, e chocolate, duas e três barras que trazia do lado de lá, esqueces-te que nasceste depois da guerra de Espanha, e que depois começou a outra guerra, a grande, tudo racionado, e o patife do teu pai deixou-me com dois filhos nos braços, o rufia, que os céus caiam sobre ele, tanto lhe dei, e ele a mim nada, encheu-me o ventre duas vezes, e se não fosse embora ficava com um rebanho, filho de lucifer, que os dias lhe sejam curtos, que sofra o que eu sofri por causa dele. Como é que eu tinha tempo de vos limpar se passava o dia a vender peixe, de porta em porta, para conseguir alguns patacos para vos sustentar? Por que é que ele não vos levou? Assim já teriam roupa e comida, mas ele não gostava do trabalho, foi melhor assim, não vos deixei morrer, canté! Pobre, mas os meus filhos nunca passaram fome, até tinham mais do que outros, os da Touça, por exemplo, esses, coitados, pareciam raquíticos, não tinham uma côdea para rilhar. Também, coitadita, ficou viúva e com filharada às costas, muito ela fez, trabalhava que nem um homem, no matadouro, a matar animais, depois trazia aquelas porcarias de lá, cheiravam mal que tresandavam, mas aquilo era para eles um petisco, não tinham mais nada, vós à beira deles fostes príncipes, nunca vos faltou nada.
- O meu irmão Olavo não diz nada disso, se não fossem os vizinhos tínhamos morrido à fome, o que nos valeu foi broa com toucinho e um caldo com couves e farinha, daquele de pôr a colher de pé. Até cebolas e tomate cru comíamos!
- Ingrato! O que ele é, é um ingrato, um mentiroso, um aldrabão; nunca vos faltei com nada, andava a vender peixe, chegava à noite a casa, mas nunca iam para a cama sem comer. E tu? Tu mamaste nas minhas tetas até aos quatro anos, quando eu chegava querias sempre a mama, tive de lhe botar pimenta, se não nunca a largavas. E olha que paguei sempre às vizinhas, não ficavam a perder comigo, dava-lhes bons quilos de carne que eu comprava ao marchante, que pensas tu, que te davam as coisas de graça? Coitados, devo-lhes muitos favores, mas paguei-lhes sempre.
- Mas o Olavo disse-me que você chegava tarde a casa, já eu estava a dormir, e vinha normalmente com os copos, com uma grande perua, metade das coisas ficavam pelo caminho; depois, quando eu cresci, isso aconteceu imensas vezes, raro era o dia em que você não carregasse uma borracheira das fortes!
- Isso foi por causa do teu pai, pelintra, esse desnaturado deixou-me, trocou-me por outra, e eu com o desgosto comecei a beber, olha que dantes não bebia vinho; bebia muita água da fonte, mas depois comecei a beber, mas olha que nunca desgracei a vida de ninguém, só a minha.
- E a nossa.
- Tendes muita queixa, não tendes pai, mas olha que também esses por aí não o têm, e não se queixam, até parece que têm o rei na barriga, e não têm a vossa educação, sois filhos duma borracha, mas não sois filhos duma ladra, que isso nunca fui, nunca roubei nada, Deus me livre, as minhas mãos nunca se pegaram a nada, trabalhei sempre, o nosso nome está limpinho, não é como essa da Ribeira, essa já foi apanhada a roubar na feira, a GNR prendeu-a e mandou-a para a cadeia, coitada, não tem juízo, envergonha-se a ela e aos seus parentes.
- Antes de ir para Lisboa acredito que não bebesse, mas quando veio despejar a Susana começou a enxofrar-lhe, para esquecer as mágoas e o namorado de Lisboa.
- Isso foi durante pouco tempo, depois comecei a ter juízo, deixei-me disso, só que mais tarde um malandro fez-me um filho, que viria a morrer com poucos meses, e eu voltei a cair no vício, mas recuperei. Só que os homens querem a desgraça das mulheres, depressa fiquei outra vez prenha, do pai do Ambrósio, convenceu-me, dizia-me que queria casar comigo, mentiroso, o que ele queria sei eu.
- Logo a seguir, outro! 
                                         (continua)...

quarta-feira, 24 de junho de 2015

OS NOVOS LUSÍADAS

Por Joaquim A. Rocha






9

Fujamos, lusos, da vil situação
De criaturas sem eira nem beira;
Digamos não à vã resignação
Que nos tem seguido a vida inteira.
Sejamos um povo forte, a nação,
Que assombre o mundo, a gente alheia;
Purifiquemo-nos – sal da virtude –
Façamos da honra única atitude.

10

Estudemos a História Nacional,
Aprendamos a reconhecermo-nos;
Sem esquecer a outra, Universal.
Da nossa, tão bela, orgulhemo-nos;
Abandone-se a estrada do mal,
Por esse caminho nós perdemo-nos.
Humildes, sem do orgulho abdicar;
Grandiosos, sem grandezas de cegar.

(continua)...

terça-feira, 23 de junho de 2015


GENTES DE MELGAÇO 

Freguesia da Vila (SMP)

                                                         Por Joaquim A. Rocha




ESTEVES, Augusto César (Dr.) Filho de Francisco António Esteves, emigrante no Brasil e proprietário, de Chaviães, e de Belarmina Cândida Esteves, proprietária, da Vila. Neto paterno de Diogo Manuel Esteves e de Maria Rita Esteves, lavradores, chavianenses; neto materno de Manuel José Esteves “Melgaço” e de Maria Rita Alves, proprietários, moradores em Eiró, Rouças. Nasceu na Rua Nova de Melo a 19/9/1889, na casa que seu pai comprara ao Dr. João Luís de Sousa Palhares, de Prado, e foi batizado a 3 de Outubro desse ano. Padrinhos: José de Jesus Esteves, solteiro, proprietário, morador em SMP, e a avó materna do batizando, viúva. // Ficou órfão de mãe a 17/10/1889. // Aprendeu as primeiras letras com o padre João Nepomuceno Vaz, teve como professor de caligrafia o escrivão de Direito, Miguel Ângelo Barros Ferreira, frequentou em seguida, na cidade de Braga, o Colégio do Espírito Santo, e depois a Universidade. // Foi padrinho de Zoé Augusta Rodrigues, batizada na igreja de Rouças a 14 de Fevereiro de 1898; não assinou, por ainda não saber! A madrinha era a sua madrasta. // A 30/8/1904 foi padrinho de Manuel Augusto Esteves, nascido na Fonte da Vila a 28 de Julho desse ano. // A 18/6/1912 fez direito internacional, 5.º ano, 19.ª cadeira; nesse mesmo ano fez exame da 18.ª cadeira, 5.º ano, medicina legal, obtendo 14 valores; em Julho desse ano fez a 13.ª cadeira, direito colonial, 4.º ano, 14.ª cadeira, processo penal, 4.º ano, e 17.ª cadeira, prática extra judicial, 5.º ano; nesse dito ano de 1912, no mês de Julho, concluiu o curso de Ciências Jurídicas, na Universidade de Coimbra. // Nos primeiros dias de Dezembro desse mesmo ano participou como ator não profissional, juntamente com o Dr. António Augusto Durães e Maker Pinto, na comédia designada “Anedota” (Correio de Melgaço n.º 27, de 8/12/1912). // Foi nomeado notário interino para a comarca de Monção, tomando posse perante o tribunal desse concelho a 10/12/1912, terça-feira; em 1914 passou a ser efetivo (Correio de Melgaço n.º 88, de 22/2/1914); ocupou esse cargo até 19/8/1915. // Ainda em 1912 foi autorizado superiormente a exercer a advocacia (Correio de Melgaço n.º 29, de 22/12/1912). // Fez a sua estreia como advogado no tribunal de Monção, defendendo Manuel Alves (o Fará), acusado de crimes de burla e roubo (Correio de Melgaço n.º 47, de 27/4/1913). // No concurso para notários, realizado em Lisboa nos inícios de 1914, obteve a classificação de 1 MB e 4 BB (Correio de Melgaço n.º 85, de 1/2/1914). // Tomou posse a uma segunda-feira, 2/3/1914, perante o juiz de direito, de notário efetivo em Monção (Correio de Melgaço n.º 90, de 8/3/1914). // Casou a 25/10/1914, na Conservatória do Registo Civil, e a 16 de Dezembro desse ano na igreja católica, com Esmeralda da Ascensão, de 24 anos de idade, filha de Justiniano António Esteves e de Lina Rosa Lourenço. Testemunhas: Justiniano António Esteves e Maria de Nazaré dos Santos Lima. // Em 1915 pediu a exoneração de notário na comarca de Monção, aceitando ser nomeado escrivão de Direito para a comarca de Melgaço. Fez as malas e veio para a terra natal, onde foi Secretário do Tribunal Judicial e Ajudante do Conservador do Registo Predial. // A 3/3/1919 tomou posse como presidente da Comissão Camarária, composta por sete elementos, desempenhando esse cargo até Agosto desse ano. // A 4/8/1919 o seu moinho, denominado o “Grande”, foi pasto de chamas; desconfiava-se que foram mãos criminosas a incendiá-lo (JM 1258, de 17/8/1919). Em 1920 deu-se ali uma tentativa de assalto (JM 1293, de 20/6/1920). // Foi presidente da Assembleia Geral do Grémio da Lavoura e administrador do concelho de Melgaço nos anos de 1922 e 1923. // A 11/1/1928 desempenhava as funções de tesoureiro da SCMM, ascendendo à provedoria a 27/12/1942, lugar que deixou em 1945. // A 30/4/1936 tomou posse do lugar de chefe da Secretaria Judicial do Tribunal de Melgaço, aposentando-se na 1.ª classe em Maio de 1958; antes exercera o cargo de chefe da 2.ª Secção do mesmo tribunal. // Pode, e deve ser, considerado o principal fundador dos BVM, de cuja direção foi presidente durante vários anos. Em 1937, em reunião da Assembleia Geral, foi aprovada por unanimidade uma proposta do corpo ativo, elegendo-o seu comandante honorário «pelos relevantes serviços prestados à corporação desde a fundação desta tão útil e benemérita instituição» (NM 346). // // Era republicano convicto, mas teve de calar e consentir muita coisa durante a ditadura corporativista, que infelizmente não viu desaparecer. // Polemicou com o padre Júlio Vaz e com o “Mário de Prado”, mas sempre com educação e respeito devidos. // Escreveu vários livros sobre Melgaço, que editou à sua custa. Postumamente (1989 e 1991) foi publicada a sua obra “As Minhas Gerações Melgacenses”, e ainda Obras Completas, Volume I, Tomo I e II (2003) com artigos por si publicados no Notícias de Melgaço. // Os seus livros abriram sem quaisquer dúvidas as portas a outros investigadores, e vão tornar possível escrever-se uma história relativamente bem documentada sobre o concelho. // Possuía uma boa biblioteca, a qual foi vendida pelo filho, depois da sua morte, a um alfarrabista do Porto, por cinquenta contos de réis! // Augusto e Esmeralda faleceram na Vila: a esposa a 4/12/1956 e ele a 26/3/1964; o seu funeral realizou-se no dia seguinte, sexta-feira. // (sobre ele ver ainda o Jornal de Melgaço n.º 1057, de 29/10/1914, Correio de Melgaço n.º 124, de 10/11/1914, Notícias de Melgaço n.º 18 e Notícias de Melgaço n.º 1413).


Nota: a rua que vai da Calçada à Loja Nova tem o seu ilustre nome.








segunda-feira, 22 de junho de 2015

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO

                                                                                                        Por Joaquim A. Rocha






CRIMES


GONÇALVES, Manuel António (Tojeira). Filho de António José Gonçalves, carpinteiro, de Paderne, e de Mariana Joaquina Baleixo, costureira, de Remoães, moradores no lugar da Granja. Neto paterno de Francisco José Gonçalves e de Maria Ludovina de Araújo; neto materno de Ana Joaquina Baleixo, solteira, da Vila. Nasceu a 6/2/1879 e foi batizado na igreja de Paderne no dia seguinte. Padrinhos: Manuel António Esteves e Maria de Sousa, solteiros, lavradores. //. Lavrador-proprietário. // Casou na igreja de Alvaredo a 21/1/1911 com Maria Rosa, de 39 anos de idade, de Tangil, Monção, moradora desde a idade de um ano no lugar do Coto, Alvaredo, Melgaço, filha de José Bento Domingues e de Maria Antónia Gonçalves (ou Rodrigues). Testemunhas: Maximiano Pires, casado, lavrador, e António Fernandes Costa, solteiro, lavrador, ambos do lugar do Pinheiro, Alvaredo. // Foi assassinado à paulada na freguesia de Paderne a 11/3/1916, sábado, por António José Vidal, natural de Paderne, e Francisco José Rodrigues, do Barral, São Paio, os quais foram presos na cadeia da Vila. Foi abatido à traição; segundo o correspondente em Paderne do Correio de Melgaço a vítima tinha dado umas bofetadas no Francisco Rodrigues (Talha Fraldas) por este lhe haver destruído uma cancela e parte de uma latada que tinha na sua propriedade “Cruz de Aldeia”; depois das bofetadas aparece António Vidal (Sainhas), companheiro do Francisco, e ambos resolvem fazer a espera ao Manuel António; logo que este surge, dão-lhe umas pauladas na cabeça, ficando sem fala, e pouco depois da meia-noite morre em sua casa, sita no lugar de Moinhos, para onde se arrastara; os assassinos eram ainda jovens – um tinha 16 a 17 anos, e o outro 18 a 19; a arma do crime foi um pau de uma latada; depois de espancarem o “Tojeira” ambos se dirigiram para um baile que se realizou em Prado nessa noite; o crime fora cometido às vinte horas; ambos confessaram o acontecido na administração do concelho, logo que ali deram entrada, embora o Vidal de início o tenha negado. // «Mal de quem morre»; no dia seguinte, 12, domingo, houve baile numa casa de Crastos! (ver Correio de Melgaço n.º 191, de 19/3/1916, e Correio de Melgaço n.º 192, de 26/3/1916). // Os réus iriam ser julgados em tribunal a 28/7/1916.  

*


VIDAL, António José. Filho de Manuel Joaquim Vidal, jornaleiro, de Paderne, e de Delfina do Outeiro, doméstica, de Paços, moradores no Barral. N.p. de José Joaquim Vidal e de Mariana Alves; n.m. de António do Outeiro e de Miquelina de Castro. Nasceu a 7/6/1898 e foi batizado a 12 desse mês e ano. Padrinhos: padre António Esteves, abade de São Paio, e Alexandrinha do Outeiro, solteira, doméstica. // A 13/7/1912 fez exame do 1.º grau, obtendo a classificação de «bom»; era seu professor António Dâmaso Lopes. // Em 1916, juntamente com Francisco José Rodrigues, do Barral, São Paio, espancou com um pau de latada a Manuel António Gonçalves, conhecido por “Tojeira”, morador no lugar de Moinhos, resultando dessas pauladas a morte do agredido; passou algum tempo na cadeia da Vila (ver Correio de Melgaço n.º 191, de 19/3/1916), pois fora condenado a vinte e dois meses de prisão correcional e 12$00 de multa; o seu companheiro apanhou doze meses de prisão correcional (Correio de Melgaço n.º 209, de 30/7/1916). // Casou na CRCM a 14/4/1924 com Maria Vitória, de 18 anos de idade, padernense, filha de Constantino José Gomes e de Maria de Sousa e Castro. // Faleceu em Paderne a 17/1/1967.    


Nota: quanto a Francisco José Rodrigues, ainda não tenho a sua biografia



sábado, 20 de junho de 2015

CARTAS DE CASTRO LABOREIRO






6.ª - «Senhor Redactor: (…). Arreliado de tanto ver, só pelo postigo, transponho o páteo e saio à rua. Que beleza…! Fascinou-nos a paisagem. Desde os nossos pés até aos píncaros dos montados, que divisamos ao longe, onde a vista se perde no horizonte, um tapete da maior alvura cobre a terra. O sol ofusca-nos a vista ao reflectir-se na neve branca e pura. Um ou outro rebanho já começa a retouçar nas pontas dos urzais. O vizinho convida-nos a ir à feira. Vamos… mas os caminhos? Ora… chegados a Alcobaça, metemos ao rio, até S. Gregório, e, ao mesmo tempo, ouvir-lhe-emos os justos queixumes de que falei na última carta para o “Correio”. Animados, partimos; e deixando à direita o castelo, onde parece que as mouras assoalham, com as jóias mais preciosas, os alvíssimos lençóis do seu bragal de há séculos, atingimos a Vila. Aí tomamos qualquer coisa no Rodrigues “Ventura”, cumprimentamos o “Caravel”, saudamos os amigos “Cordas” e “Getruzes”, falamos da indústria do chocolate, pusemos em ordem a nossa correspondência e convidamos o sr. professor ao belo passeio: Castro-Melgaço. Depois, por este não anuir ao nosso convite (…), transpusemos o longo espaço dali a Portelinha e baixamos a encosta – ora de pé ora de rastos. Mas caminhamos. Um castrejo não se intimida facilmente. Chegados a Alcobaça, parece que o rio, com as suas sombras de castanheirais velhos e carcomidos, nos amedrontava, pois vínhamos da luz que fere a retina. – Vamos pela Breia. E fomos. Mas que horror! Esqueçamos a neve amiga e igualitária, para só falarmos da impraticabilidade destes caminhos! Poucas vezes vamos a Melgaço e as nossas cartas não têm ferido esta tecla do piano harmonioso; porém, hoje, que vimos, que sofremos, que avaliamos de que a estrada Castro-Melgaço nem para cabras serve, lembramos a quem compete que lance olhos compadecidos para isto. Temos duas feiras mensais; o nosso povo arrasta quotidianamente o indispensável à vida para estes sítios; amanhã, ou depois, alpinistas nos visitarão, para conhecerem das nossas condições, e de viso apreciarem as belezas do nosso rincãozinho: tudo, enfim, é argumento superior, para que de Castro a Melgaço haja um caminho praticável. As corporações administrativas – respectivamente de cá e de lá, que olhem por isto. E mais amiúde, amigo Redactor, cá terá a espremê-lo com os braços muito amigos… um castrejo. // Castro Laboreiro, 9/3/1916. 
     // P.S. – Para avaliarem do nosso estado, um episódio que tem graça. Quando no p.p. dia 2, um filho do senhor Lourenço “Ferrador” transportava uma carga de cabritos, cavalgadura, ele e cabritos, ficaram soterrados na neve (…). Foi preciso que o povo de Portelinha, com pás e enxadas, os roubassem a uma morte certa

quinta-feira, 18 de junho de 2015

ENTRE MORTOS E FERIDOS 
(dois anos de guerra na Guiné-Bissau)

Romance histórico

                         Por Joaquim A. Rocha


... (continuação)

- Mas vocês, nessa altura, já eram obedientes por natureza – observa Henrique.
- Nem todos. Os do meio rural, sim; os da cidade, porque também lá havia alguns, eram lixados. Com vinte anos apenas, já tinham vivido muita coisa.
     Mas voltando ao sargento: no quartel, tornava-se um reizinho! Dava ordens a torto e a direito, gritava, gesticulava, enfim estava no seu mundo.  
- E vocês andavam numa fona! – comenta Henrique, ironicamente.
- É verdade; numa roda-viva! Não nos dava descanso!
- Havia exceções – aventa o moço.
- Naturalmente. Conheci alguns desses sargentos, humanos, atenciosos. Ficaram no exército porque ganhavam mais ou menos e usufruíam de algumas regalias. Com a quarta classe, muitas vezes obtida como adulto, ou no próprio exército, não teriam grandes hipóteses de arranjar bons empregos, de angariar uns cobres, a não ser na emigração; assim, com aquela patente, ficavam praticamente equiparados a professores do ensino primário! O trabalho não os matava; aquilo para eles já era rotineiro.
- E a guerra?
- A guerra trouxe-lhes alguns benefícios materiais, embora arriscassem – não todos – a vida.
     Mas continuando… Fizemos vários exercícios antes de envergarmos as cinzentas fardas: de escrita, de cálculo, de agilidade mental e visual (os chamados testes psicotécnicos), e os imprescindíveis exames médicos.
- Passou a tudo, com uma perna às costas – arriscou Henrique.
- Passar, passei, mas não foi fácil. De acordo com aqueles que analisaram as minhas provas, eu daria um razoável condutor auto rodas. Seria, depois de longos treinos, a minha “ilustre” especialidade. Nunca, até então, tinha conduzido um carro, nem sequer fazia a mínima ideia do que era pegar num volante! Eu era pobre como Job, mal ganhava para comer e vestir, quanto mais para ter carro. Na minha pequena vila somente meia dúzia de pessoas possuía automóvel: o juiz, o médico, o doutor delegado, um ou outro padre, e os contrabandistas ricos. Estes últimos, sim, possuíam dois ou três carros ligeiros, e também pesados, nos quais transportavam as mercadorias para Espanha.  
- «Terra de raia, terra de contrabando» – aponta Henrique, filosoficamente.
- Assim é, meu amigo. Os espanhóis, durante a guerra civil, que durou, como sabes, de 1936 a 1939, compravam tudo: azeite, ovos, milho, café, sabão, pedras de isqueiro, tabaco… Até tripas! Alguns contrabandistas enriqueceram, outros, perdulários, gastaram tudo com amantes e negócios mal geridos – não tiveram cabeça!
- Há quem diga que houve corrupção… - acicata o rapaz.
- Houve… e muita! O soldado da Guarda-Fiscal ganhava um ordenado de miséria. Se fosse solteiro, e vivesse em casa dos pais, ia-se aguentando; mas quando casava, e vinham os filhos, o vencimento não dava para nada. Na década de sessenta auferiam pouco mais do que mil escudos por mês! Só dava para a bucha! A mulher não tinha emprego, tratava da comida, da roupa, dos filhos… e da horta; quase todos possuíam uma hortinha onde colhiam hortaliça (couves, repolhos, alface), cebola, tomate, pimentos, etc.
     A instrução dos filhos não ia além do ensino primário, pois mandá-los para a cidade – Viana ou Braga – era privilégio de poucos. Não causava qualquer surpresa ver-se um descendente dum elemento da Guarda-Fiscal a trabalhar na agricultura, ou como simples empregado de balcão, sobretudo nas cidades de Lisboa e Porto, ou noutras atividades humildes. Os empregos bem remunerados e de prestígio estavam nas mãos dos grandes senhores.
- E não foi sempre assim? – pergunta Henrique.
- Suponho que sim, mas não está certo. A minoria tudo domina; a maioria trabalha e obedece!
- Nesse caso… – impacientou-se Henrique, já cansado de tantos rodeios.
- Como ia dizendo, os guardas, segundo consta, fechavam os olhos mediante uma verba paga pelos grandes contrabandistas, porque aos pequenos, como não davam um centavo, a esses, se os apanhassem, não lhes perdoavam: tudo apreendido e multa para cima. Alguém tinha que desempenhar o papel de bode expiatório do sistema. Mas voltando ao assunto inicial…
    
Aqui, Henrique, olhando para o relógio, dá um pequeno grito:

- Santo Antoninho! Tenho que me encontrar com a Rita, a minha prima. Ia-me esquecendo. Desculpe Cândido, a conversa estava interessante, mas será retomada na próxima oportunidade, se assim o desejar.
- Vai-te embora, homem; não se deve fazer esperar as senhoras, sobretudo as primas – comenta com graça e ironia. - Voltar-nos-emos a encontrar no próximo fim-de-semana.

       Henrique, com um sorriso de orelha a orelha, diz-lhe:

- Com pena minha, a Rita já tem noivo. Para que saiba, eu não tenho sorte nem com o jogo, nem com as mulheres.
- Pobrezinho! Que pena eu tenho de ti.

     E assim se despiram, a rir.  

      Cândido ficou só e pensativo. Sempre que abordava o tema da guerra ficava triste, absorto, incapaz de reagir durante algum tempo. Aquela ferida dolorosa funcionava como uma úlcera; só o tempo, pensava ele, seria o remédio para a cura. De qualquer forma tivera sorte, não fora ferido, estava ali, vivo e com saúde, apesar daquelas dores de estômago, que de vez em quando o incomodavam. Quantos companheiros vira tombar, quantos tinham vindo para a metrópole feridos. Quantos! O melhor era ir dar uma volta pela cidade, ver as montras na Rua do Ouro e Rua Augusta, subir depois ao Chiado, à tardinha acendiam as luzes, que bonito tudo ficava, era sempre festa. Na sua terra, a mais bonita do mundo, mas medieval, coitada, não havia luzes à noite. Candeeiros aqui e ali, alguns com as lâmpadas fundidas, mal alumiavam as poucas ruas que havia; as lojas não tinham praticamente vitrinas, e as que tinham não estavam decoradas – ninguém se importava com isso!
     Olhou para o relógio, a sua “cebola”, como o designava, e alarmou-se: estava na hora de jantar. Os restaurantes ao domingo não gostavam de fechar tarde – cliente que não chegasse a tempo, não era atendido. Claro que havia restaurantes que só encerravam às tantas, mas esses eram os de luxo, não eram para a sua magra bolsa. Ele ia às tascas, às tabernas, sentava-se naquelas mesas quadradas, com uma toalha de pano ruim, aos quadradinhos, que já fora lavada milhares de vezes. Já o conheciam:

- Então que vai hoje, Sr. Cândido?
- O mesmo de sempre, Sr. Sousa. Para não variar. Olá menina Quitéria, sempre linda.  

     A rapariga ficava ruborizada, um piropo daqueles sabia-lhe bem, embora pensasse de si para si que dali nada viria de concreto, de namoro ou casamento. Canté! Com um empregado de escritório. Ela, apenas com a 3.ª classe, estava condenada a casar com um moço de mesa, como ela, ou com um operário, ou talvez, quem sabe, com um estivador, profissões muito mal remuneradas.
      Passado pouco tempo era-lhe servido o frango com arroz e batatas fritas, um simulacro de salada: alface, tomate e cebola, muito vinagre e pouco azeite, ruim, o pior que havia, misturado com óleo, que ficava mais em conta.
     Depois do jantar dava mais uma volta pelas ruas, pejadas de gente, e ia deitar-se. O quarto era pequeno, a cama pequeníssima e pouco confortável. Quem sabe se um dia a sorte surgiria, sorrateira; comprava o seu apartamento, deitar-se-ia numa cama larga, ao lado da sua mulher, bonita, sorridente, culta… Quem sabe?
     No dia seguinte, segunda-feira, levantou-se às seis e meia da manhã, ainda ensonado, bebera-lhe bem no dia anterior, e dirige-se à casa de banho a fim de cortar a barba, agora já composta, e tomar o seu duche. Como a casa tinha mais hóspedes, teria que esperar a sua vez, com paciência. Haveria que dar tempo ao tempo, viriam melhores dias, a esperança era a sua companheira inseparável. Já passara por pior!           
        A semana passou-a como sempre: escritório de dia e aulas à noite, na Escola Comercial Veiga Beirão. Aquele curso era interessante, permitir-lhe-ia ser ajudante de contabilista, e o ordenado seria melhor do que agora, que mal dava para comer e pagar o quarto. O grande problema residia nos professores: alguns mal preparados cientificamente, outros, embora com grandes conhecimentos, estavam cansados depois de um dia de trabalho no Banco ou na Companhia de Seguros. Enfim, o ensino noturno era o parente pobre do sistema educativo. O esforço individual era a chave para obter bons resultados – sem ele ficar-se-ia pelo caminho. 
        Namorar não queria, era ainda cedo; quando ganhasse bem, pensaria nisso. Na terra tivera um princípio de namoro, mas fora informado de que ela já casara com um emigrante. «Melhor!», pensava ele; «assim não tenho compromissos com ninguém, sou completamente livre.» Claro que isso disfarçava uma profunda frustração, mas não queria dar o braço a torcer. Aquela rapariga, de uma beleza ímpar, dera-lhe a volta ao miolo, mas ele, tímido, não agira a tempo, e perdeu-a. Agora já era tarde de mais. Provavelmente já seria mãe de um ou dois filhos, com nomes franceses… Enfim, o melhor era esquecer.

       No domingo, tal como combinara com Henrique, lá foi ter à esplanada e sentou-se à espera do amigo. Sentia uma ânsia imensa de lhe contar tudo, desabafar, desentulhar aquela amálgama de mazelas que lhe obstruíam o peito. Quando ele se aproximou, disse-lhe, a rir:

- Já pensava que não vinhas; deves estar farto de escutar a minha insípida história.
- Não diga isso, nem a brincar. A sua odisseia militar é digna de ser escutada. Pena é que durante a semana a gente não se possa encontrar, mas o trabalho não o permite. Continue, por favor…
- Tudo bem! Fico satisfeito por saber que estás a gostar… Dos mil que éramos no princípio, ficámos seiscentos. Aos restantes quatrocentos, não classificados, enviaram para outros quartéis, onde seriam treinados como atiradores. Esses seriam lançados para a guerra mais cedo, dentro de cinco ou seis meses, como os leões para o circo de Roma no tempo de Nero!
        Logo a seguir à seleção, um oficial de secretaria, brincalhão nas horas vagas, e pensando talvez que possuía carradas de graça, mas de mordaz humor, tem o atrevimento de me perguntar: - «Preferes outra especialidade, ou estás satisfeito com esta
     Ingénuo até à medula, e nada habituado a lidar com gente tão fina e de língua afiada, respondo melifluamente: «Se pudesse escolher, gostaria de ser operador cripto, como foi o meu irmão
     A gargalhada soa, sarcástica, metálica, inumana! O monstro ria-se de mim! Na minha cara! As lágrimas vieram céleres, fáceis, a meus olhos. Seria, podes crer, a última vez que isso me aconteceria. Apercebi-me então que estava na selva e aí, nesse universo de maldade e perversão, não se chora: resiste-se, faz-se das tripas coração, engolem-se todos os sapos vivos e moribundos, aprende-se quase instantaneamente a eterna e sublime arte da sobrevivência.
     Os seiscentos mancebos aprovados foram divididos em três grupos de duzentos cada um. O primeiro grupo ficava já no quartel; o segundo iria para casa e voltaria em Fevereiro; os restantes duzentos rapazes apresentar-se-iam em Março. Tudo matematicamente elaborado, milimétrico, perfeito! Na tropa não se improvisa: é tudo pré-determinado, tudo feito a régua e esquadro.
     Simularam um qualquer sorteio, e a mim calhou-me o terceiro grupo. Como não tinha dinheiro em abundância, e porque também era poupado, quase forreta, e não sabendo o que o futuro me reservava, decidi regressar à minha querida terra à boleia. Pus-me na berma da estrada e comecei a fazer o sinal caraterístico, isto é, fechei os quatros dedos mais compridos da mão e com o polegar bem esticado indicava a direção que pretendia seguir. Nunca antes andara à boleia, mas vi outros fazerem o mesmo e logo se aprende, se adquire o jeito. Nessa altura, e por razões óbvias, que não vêm ao caso, não se tornava tão perigoso, como agora, tal procedimento.
    Quem tinha carro, e eram poucos, sabia que a maioria do povo português era pobre. Uma boleia era sempre bem-vinda, pois economizava uns cobres a quem a recebia.
     Os automóveis passavam como bólides, indiferentes e alheios àquele braço estendido, àquele olhar de criança desprotegida. Carros de quatro ou cinco lugares apenas transportando uma ou duas pessoas! A viatura pertencia-lhes, dela podiam fazer o que bem quisessem, mas afinal de contas a solidariedade, o humanismo cristão tão apregoado no púlpito, tornavam-se em meros conceitos esvaziados de conteúdo. Por outro lado, um jovem fardado, um soldado da pátria, que iria brevemente defender o território nacional, ameaçado por bandidos, como os salazaristas diziam, por hostes de negros, sedentos de poder, merecia o apoio de todos os portugueses. Mas não! Passavam e não me viam! Não queriam que um pobre soldado se sentasse a seu lado, eles, que tinham carro, logo outro estatuto!
     Já desesperado, eis que um automóvel ligeiro, com alguns anos, mas ainda com bom aspeto, pára junto de mim. O condutor, homem de meia-idade, complacente, interroga-me: «Para onde se dirige?» Eu, ainda incrédulo, algo desconfiado, respondo-lhe: «Vou para Melgaço.» O senhor, numa voz algo emocionada, diz-me: «Para Melgaço!!! Que coincidência, sou precisamente de lá, embora resida e tenha o meu emprego no Porto; vou neste preciso momento fazer uma visita a minha irmã, a Brígida, conhece
    Respondi que sim, por sinal conhecia-a muito bem. Numa vilazinha tão pequena como a nossa toda a gente se conhecia, éramos todos vizinhos e amigos. Era proprietária de uma loja de louças junto à igreja matriz, ali pertinho do castelo medieval, o qual, segundo reza a História, fora mandado construir por D. Afonso Henriques, o nosso primeiro rei. Esse monarca também dera ao concelho, em 1183, um foral, que era uma espécie de constituição concelhia. Eu tinha apenas a sexta classe, ou seja, a quarta classe mais dois anos de um curso noturno «curso complementar de aprendizagem agrícola», mas sabia alguma coisa de História, porque gostava dessa disciplina e tinha como livro de cabeceira uma História de Portugal.
     A senhora Brígida era mãe da Teresinha, como nós lhe chamávamos carinhosamente. O pai da menina, ninguém sabia concretamente quem era, falava-se num contrabandista, talvez um padre ou um juíz, era um segredo bem guardado, provavelmente já teria morrido.
     O senhor estava radiante com a minha companhia. Pelo caminho conversámos sem parar. Ele, mais do que eu. Era pracista, ou técnico de vendas, como agora se diz. Tinha duas filhas adolescentes, mostrou-me as fotografias, amorosas, «acompanham-me sempre», disse com ternura.
    Convidou-me a ir a sua casa quando voltasse ao Porto. Teria muito gosto nisso, fazia questão em apresentar-me à esposa e filhas. Era sempre bom ter alguém da mesma terra para conversar, lembrar aqueles tempos felizes, mas de relativa miséria, tempos que jamais voltariam.
- Claro que foi visitar esse senhor e a família – interrompeu Henrique, atento ao desenrolar da história.
- Não fui! Por timidez, para não incomodar. Só muito mais tarde me apercebi que a presença de um patrício no nosso lar, quando se vive longe, nos traz imensa alegria e nunca aborrecimento. Essas coisas aprendem-se por experiência própria. Uma pessoa da nossa terra, um conterrâneo, é um pedacinho dessa mesma terra, faz parte do nosso ser, é uma molécula viva da antiga memória coletiva.
- Está a filosofar, mas talvez seja verdade o que acaba de dizer – concorda o moço.

     Cândido quase não o ouviu. As memórias irrompiam, como nascentes de um rio caudaloso. Prosseguiu:  // (continua)...

terça-feira, 16 de junho de 2015




GENTES DE MELGAÇO
(biografias)

Por Joaquim A. Rocha

Freguesia da Vila



DURÃES, António Augusto (Dr.) Filho do Dr. António Joaquim Durães, de Paços, e de Beatriz Augusta Ribeiro Lima, proprietária, da Vila. N.p. de João Manuel Durães e de Francisca Caetana Pires, de Sá, Paços, proprietários; n.m. de Carlos João Ribeiro [Lima] e de Ludovina Rosa dos Santos Lima, proprietários, da Vila. Nasceu no Campo da Feira de Fora às 13 horas de 24/7/1891, e foi batizado a 5 de Setembro desse ano. Padrinhos: avós maternos. // Em 1908 concluiu os preparatórios num liceu do Porto (Jornal de Melgaço n.º 742). // A 18/7/1910, na Faculdade de Direito, fez ato das instituições de direito romano e de português. // A 20/6/1912 fez exame, com distinção, da 18.ª cadeira, medicina legal, e dias depois fez exame da 19.ª cadeira, direito internacional, 5.º ano; em Julho desse ano fez exame da 15.ª cadeira, 4.º ano, ficando distinto; também fez exame da 16.ª cadeira, 5.º ano, sendo aprovado com 15 valores (Correio de Melgaço n.º 8, de 28/7/1912), e direito colonial, 13.ª cadeira, 4.º ano (Correio de Melgaço n.º 10). // Formou-se em Ciências Jurídicas, na Universidade de Coimbra, a 13/8/1912. // A seguir abriu escritório em Melgaço, em cujo foro se estreou, a 12/11/1912, na defesa do padre José Joaquim Pinheiro, ex-pároco da Vila, conseguindo a sua absolvição; o padre fora acusado por Duarte de Magalhães de lhe ter recusado a comunhão na quaresma de 1902, praticando, por conseguinte, abuso de funções religiosas; o advogado de acusação era o Dr. Anselmo Ribeiro de Castro, advogado em Viana. // Ainda nesse ano de 1912 foi nomeado subdelegado do Procurador da República em Melgaço (Correio de Melgaço n.º 30, de 29/12/1912), mas foi exonerado no ano seguinte (Correio de Melgaço n.º 59, de 27/7/1913). // Era um político ativo; aderira, depois de Outubro de 1910, ao Partido Republicano Português, e foi chefe, em Melgaço, do Partido Democrático, cujo líder nacional era o Dr. Afonso Costa. // Foi administrador do concelho, tomando posse a 24/2/1913, e esteve nesse cargo até Maio do ano seguinte, interessando-se pelo prolongamento do caminho-de-ferro até Melgaço, mas os seus esforços foram em vão, devido em parte à falta de recursos financeiros por parte do Estado. Também lutou pela estrada para Castro Laboreiro, mas o dinheiro era escasso nessa altura. Quis para Melgaço a luz elétrica, água canalizada, etc., mas nada disso se tornou realidade durante a sua permanência no concelho. Foi ainda diretor do “Correio de Melgaço”, a partir do número 74, de 9/11/1913, mas devido a divergências com Hermenegildo José Solheiro, proprietário do jornal, afastou-se em 1915; o seu nome só aparece como diretor e editor até ao número 142, de 23/3/1915; a partir daí já figura como editor Adriano Augusto da Costa. // Suponho que em 1913 foi candidato a deputado pelo círculo de Melgaço (ver Correio de Melgaço n.º 57, de 13/7/1913). // A 28/11/1913, pelas 18 horas e 30 minutos, na Portela de Chaviães, quando vinha de moto de São Gregório para a Vila, foi de encontro a umas pedras que alguém, propositadamente, colocara na estrada; ficou ferido numa perna e num braço, e a motorizada ficou estragada (Correio de Melgaço n.º 77, de 30/11/1913). // Em sessão de 28/11/1913 o tribunal da Relação do Porto deu provimento ao agravo interposto por ele, Dr. Durães, do despacho do juiz de direito de Melgaço, que o inibia de advogar em polícia correcional de parte, com o fundamento de que ele era administrador do concelho (CM 77). // Em 1914 solicitou uma licença à Câmara Municipal para mandar fazer uns consertos no prédio que possuía na Rua Teófilo Braga, Vila, e para colocar umas pedras nessa rua, de maneira a não impedir o trânsito público, a qual lhe foi concedida (Correio de Melgaço n.º 97, de 26/4/1914). // Ainda em 1914 pediu a exoneração de administrador do concelho, pedido que foi aceite pelo Governador Civil do distrito (Correio de Melgaço n.º 98, de 3/5/1914). // Tudo lhe acontecia: pelas 23 horas de 2/5/1914, numa casa do lugar de Alcobaça, Lamas de Mouro, foi vítima de um acidente; estava encostado a uma varanda e esta cedeu, caindo sobre um pátio que se encontrava a quatro metros da varanda; foi socorrido por Jaime de Almeida, Macker Pinto, e por várias pessoas ali presentes. Felizmente o ferimento não era de grande gravidade; no dia seguinte regressou à Vila, onde foi analisado pelo Dr. Vitoriano (Correio de Melgaço n.º 99, de 10/5/1914). // A 7/9/1914, ele e mais três amigos, estiveram em perigo de vida em Vila Praia de Âncora, em virtude de se terem afastado da praia; foram socorridos pelos pescadores e banheiros, que os salvaram com imensa dificuldade (Correio de Melgaço n.º 115, de 8/9/1914). // Por despacho de 19/8/1915 foi nomeado notário interino da comarca de Monção, substituindo o Dr. Augusto César Esteves, que, a seu pedido, fora exonerado. Em Outubro ou Novembro desse ano foram-lhe concedidos trinta dias de licença (Correio de Melgaço n.º 174, de 14/11/1915). // Em 1916 foi-lhe oferecido de novo o cargo de administrador de Melgaço, mas recusou-o; aceitou, contudo, juntamente com o major reformado, Albino Pinto da Cunha, do Convento, Carvalhiças, o lugar de censor (Correio de Melgaço n.º 195, de 16/4/1916). Portugal entrara na I Guerra e a censura foi imposta aos meios de comunicação social. // Nesse ano de 1916 foi exonerado de notário interino em Monção (Correio de Melgaço n.º 199, de 14/5//1916). // Por causa de um artigo publicado no “Jornal de Melgaço” andou à tareia no dia 13/7/1916, quinta-feira, com o Dr. António Francisco de Sousa Araújo, no “Café Melgacense”; terminou com a intervenção de alguns amigos (Correio de Melgaço n.º 207, de 16/7/1916). // Foi advogado de defesa de “Amélia” Rodrigues, acusada de ofender a moral pública, a qual respondeu a 17/7/1916, ficando absolvida (Correio de Melgaço n.º 208, de 23/7/1916). // Casou na igreja de SMP em 1916 (o casamento civil decorrera na residência da noiva, Rua Mouzinho de Albuquerque, Valença, a 20/2/1916) com Maria Esménia, de 18 anos de idade, de Santa Maria dos Anjos, Valença, filha de Francisco Antunes da Silva Guimarães, secretário de Finanças em São Tomé, e de Maria das Dores (ver Correio de Melgaço n.º 184, de 30/1/1916). // Em 1917 concorreu às eleições para a Câmara Municipal, numa lista presidida pelo padre Francisco Leandro Álvares de Magalhães. // Em Janeiro de 1919 tomou posse do lugar de notário na Vila de Caminha (JM 1234). Não sei quanto tempo ali permaneceu, pois o casal partiu para África, São Tomé, nos primeiros dias de Agosto desse ano de 1919, onde ele iria desempenhar o cargo de administrador de concelho (JM 1257, de 10/8/1919); dali embarca para Angola, onde ele esteve ao serviço do general Norton de Matos. // Em 1929 foi nomeado Governador de Benguela (NM 27, de 25/8/1929). // De vez em quando vinha à sua terra natal, mais a mulher, pois filhos não tiveram, trazendo com eles os empregados, fixando-se um deles, o Joaquim, em Melgaço, onde arranjou emprego e casou. // Passava, no Cine Pelicano, alguns filmes que trazia de África, películas que mostravam a vida quotidiana dos naturais de Angola. // Em Julho de 1934 esteve em Melgaço; vinha de Benguela, onde era advogado; as coisas não lhe deviam estar a correr muito bem, pois tencionava fixar residência em Viana do Castelo (NM 238, de 8/7/1934). Em Outubro desse ano já exercia advocacia nessa cidade (NM 248, de 14/10/1934). Não deve ter tido o êxito que esperava, pois voltou para África. // Antes da independência da ex-colónia o casal regressa a Melgaço, onde possuía uma boa casa na Rua do Rio do Porto e uma ótima Quinta. // Depois de Abril de 1974 foi presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Melgaço, até às eleições. Tomou posse a 4/11/1974. Foi a 1.ª Comissão Administrativa a tomar posse no distrito de Viana. Colaboraram com ele: eng.º Artur José Rodrigues, professor do ensino liceal em Monção (vogal); Albertino Domingues, comerciante (vogal); António Fernandes, industrial (vogal); Manuel da Cruz Dias, ourives (vogal). Era então Governador do distrito o capitão-tenente Joaquim Teixeira (NM 1843, de 10/11/1974). // Quis criar, na sua Quinta da Pigarra, uma Escola Agrícola, mas o Ministério da Educação não se interessou pelo projeto; assim, ofereceu-a aos BVM e à SCMM. // Em Maio de 1976 publicou um livro “ANGOLA E O GENERAL NORTON DE MATOS – Subsídios para a História e para uma Biografia. // O casal faleceu na Vila de Melgaço: ela a 26/9/1974 e ele a 24/10/1976. // (Ler a entrevista que ele concedeu ao Correio de Melgaço n.º 219, de 8/10/1916; nessa altura encabeçava a lista do concelho que disputava a liderança da Câmara Municipal de Melgaço, cujo presidente era João Pires Teixeira; ver também “A Voz de Melgaço” n.º 379, de 15/6/1967).