terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

OS NOVOS LUSÍADAS
(tentativa de continuação  de Os Lusíadas, de Camões)


Por Joaquim A. Rocha


desenho de Luís Filipe G. Pinto Rodrigues



60

 
Manuel Primeiro, «O Venturoso»,

Leva ao papa Leão rica embaixada,

De peito feito, muito orgulhoso,

Tudo prevê, não lhe escapa nada!

Oferece-lhe um presente luxuoso,

Uma cruz em ouro, toda esmaltada.

Em troca pede treze regalias:

Para os bispos, padres, e obras pias.  

 
61
 

O papa  recebe o embaixador

Com requintes de corte imperial.

- «Manuel», diz, «é um grande senhor,

Engrandece o nome de Portugal.

É uma honra, um grande favor,

Tê-lo como amigo, como igual.

Vais levar-lhe uma excelsa bula…

Que outras leis anteriores anula.

 
62


O português aceita, comovido,

O alto presente do senhor da igreja;

E num gesto de respeito atrevido

Sua branca e húmida mão beija.

O príncipe sorri, agradecido,

 Dá ao luso um licor de cereja.

E assim termina essa visita,

No desejo de que ela se repita.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

QUADRAS AO DEUS DARÁ
 
Por Joaquim A. Rocha



desenho de Rui Nunes


A amizade e o amor

Já andaram de braço dado;

Veio a paixão, trouxe a dor,

Com a dor nasceu o fado.

*

Amizade é mais que amor,

E pelo tempo perdura;

Não causa ódio, nem dor,

É sentimento, ternura.

desenho de Rui Nunes

Amizade não tem preço,

Não se compra com dinheiro;

Tem-na o rico e o pobre,

Existe no mundo inteiro.

*

S’ amizade se comprasse,

Era somente dos ricos;

O pobre que odiasse…

Cambada de mafarricos.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

PARABÉNS A VOCÊ




    Mais um melgacense que chega aos cem anos de idade. Como costumava dizer o Alfredo Lourenço do Paço: «é uma idade bonita». De facto, atingir os cem anos de vida não deve ser uma meta que a maioria dos humanos atinja. A longevidade cultiva-se, é possível e desejável, mesmo que algumas doenças menores surjam pelo caminho. A ciência médica, com a ajuda do próprio, consegue verdadeiras proezas. Segundo consta, está internada no lar de Paderne uma senhora com mais de cento e cinco anos de idade!   
                    
 
 
COLMEIRO, Amadeu Augusto (Serôdio). Filho de Vitorino Maria Colmeiro e de Rita Augusta Rodrigues, moradores na Vila de Melgaço. Nasceu em SMP a 24/2/1917. // A 10/7/1933 fez exame do 2.º grau, quarta classe, ficando aprovado (NM 203, de 6/8/1933). // Primeiro foi soqueiro e depois fotógrafo – usava uma máquina das antigas e andava pelas feiras e romarias a tirar retratos. // Casou a 18/1/1948 com Creminda Augusta, ou Carminda Rosa, filha de António Diniz Monteiro e de Maria dos Prazeres Soares. Moraram em Prado. // Antes de se casar gerou em Judite Amabélia Rodrigues, da Vila, um menino, Manuel José, levado para a Casa Pia de Lisboa, onde estudou, tornando-se professor do Ensino Secundário. // A esposa também lhe deu filhos.   

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha
 
 
Forais melgacenses (continuação)



     Se algum de entre vós cometer homicídio, vizinhos que sois uns dos outros, compareça a justiça da vila com o vigário do rei à porta do homicida e peçam-lhe uma caução, a qual conseguida, então exigir-lhe-ão um fiador para o montante de cinco soldos. Apresentado o fiador no prazo de nove dias, restituam-lhe o penhor. Porém, se nos nove dias decorridos isso não acontecer, venham sobre ele os sobreditos (justiça da vila e representante do rei) e exijam-lhe pelo homicídio praticado cem soldos. Se o homicida não cumprir, o seu fiador pagará cinco soldos, e então o crime recairá sobre a sua casa e herança, e nenhuma punição lhe causem a não ser os seus inimigos (12). Se alguém matar outrem furtivamente e puser o cadáver à porta do seu vizinho, ficando sujeito a ser acusado e caluniado, este deverá dirigir-se à igreja e jurar a sua inocência, alcançando assim a imunidade e a salvação. Se alguém de fora da vila vier a esta e tenha com um seu morador inimizade, e não tiver previamente pedido fiança ao seu inimigo, desprezando a assembleia, o habitante da vila poderá atuar contra o estranho com a ajuda dos seus amigos, e se o ferir com gravidade ou mesmo o matar, não será responsabilizado perante o rei. Se os que foram chamados não quiserem ajudá-lo, serão penalizados em cinco soldos e responderão perante a assembleia.

     O vigário do rei deve morar na vila. Se alguém o ferir, ou matar, pague por ele cem soldos, como no caso de qualquer outro homem. Se alguém cometer o crime de rapto (de mulher honesta ou donzela) e a assembleia da vila se for queixar ao representante do rei, o raptor pague cem soldos. Se algum vizinho ferir outro, pague quinze soldos pela agressão, se o ferimento for na cabeça; se não for na cabeça, pague então sete soldos e meio. Todos aqueles que se envolverem em rixa, puxando pelos cabelos e maltratando-se: na vila, na assembleia, na igreja, apenas responderão perante as suas consciências, no caso de se quererem reconciliar; de contrário, se um deles não desejar fazer as pazes e levar a denúncia ao vigário do rei, o que os juízes decidirem seja cumprido: metade da multa será atribuída à vítima e a outra metade será para o meu representante. Aquele que injuriar outrem prestará a devida satisfação por meio da assembleia. Se posteriormente se negar a cumprir (o que na assembleia se decidiu) vá a autoridade à sua porta com duas testemunhas e exija-lhe caução; se a der, nesse dia deixar-se-á em paz. Depois, diariamente, voltarão a exigir-lhe o penhor, e sempre que o satisfaça, deixem-no ficar sossegado. Quando tiver sido espoliado a ponto de já nada lhe restar, tomam-lhe as portas da casa, em seguida as telhas, até dar fiador ou o dinheiro em que foi penhorado. E se não quiser cumprir, pague no primeiro dia cinco soldos ao vigário do rei, e da mesma maneira pague no segundo dia dois soldos. E no terceiro dia, o injuriado, a justiça da vila, e o representante do rei, então vão à sua porta e chamem-no: se não quiser vir, entrem na casa sem aviso e apoderem-se de tudo quanto for devido.

     Se alguém, por maldade, abater outro com espada, seja na aldeia, seja no campo, se existirem duas ou três testemunhas, pague, o acusado, sessenta soldos ao vigário do rei. Se o homicida for conhecido, e se for essa a decisão da assembleia, desde que não transporte espada, nada pague.

     Cada casa vossa seja coutada (avaliada), em seis mil soldos. Se alguém, sem motivo justo, a danificar, dê ao seu proprietário quinhentos soldos para o seu arranjo.

     Toda a pessoa que se queira tornar vosso vizinho, que venha morar para junto de vós, pague um soldo: seis denários para os juízes da vila e seis denários ao senhor da terra (13). Se algum indivíduo ousar infringir esta lei, embora não creio que isso venha a acontecer, seja amaldiçoado e excomungado até à eternidade, e fique privado da fé de Cristo (14) e do seu lugar no paraíso; e não ouça a voz do Senhor dizendo: - «Vinde, benditos!» - Mas ouça as palavras: - «Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno!» … e outras coisas mais. Eu, rei Afonso de Portugal, com o príncipe Sancho, meu filho, e minhas filhas acima mencionadas, a vós, habitantes de Melgaço, esta carta-foral vos dou, e pela minha própria mão corroboro e confirmo esta escritura.

     Carta de venda e doação feita na era de 1219, e 12.º dia das calendas de Agosto (15). D. Velasco, mordomo-mor da Cúria – testemunha. Godinho, arcebispo de Braga – confirmante. Fernando, bispo do Porto – confirmante. Martinho, bispo de Coimbra – confirmante. Pelágio, eleito de Évora - confirmante. João, bispo de Viseu – confirmante. Godinho, bispo de Lamego - confirmante. D. Pedro Rodrigues – testemunha. D. Afonso Ermígio – testemunha. D. Pedro Afonso – testemunha. D. Soares Venegas – testemunha. D. Martinho Pais – testemunha. Pedro Salvador – testemunha. G. Fernandes - testemunha. Nuno Guterres – testemunha. Mestre Fernando – testemunha. Mestre Domingos – testemunha. Mem Gonçalves – testemunha. Rodrigo Henriques – testemunha. Julião, notário da Cúria. XXXXXX

 

Notas:

 

12 – Suponho que sejam os familiares da vítima.

 

13 – Provavelmente o senhor de Valadares: Suerio Arias ou Pelagio Suariz.

 

14 – Isto é: deixe de ser, pela comunidade, considerado cristão; nessa época implicava tornar-se praticamente um apólida, ou seja, um indivíduo sem pátria!

 

15 – 21 de Julho de 1181. A era de César estava adiantada trinta e oito anos em relação à nossa. Logo: 1219 – 38 = 1181. Quanto às calendas [(31+2)-12]=21. Penso que não vale a pena dizer mais nada. Só isto: os romanos não contavam o tempo como nós o contamos. Penso que o ano de 1181 pode estar correto quanto à redação do documento. No entanto, como o país se encontrava em guerra com os muçulmanos, não era fácil de um dia para o outro pô-lo em vigor. Por outro lado, existe o problema dos confirmantes, distantes uns dos outros. Leis que se faziam num ano só passados dois ou três é que chegavam aos seus destinatários! Por conseguinte, este foral deve ter chegado às mãos dos melgacenses a partir de 1183, pois só a partir desse ano é que alguns dos confirmantes obtiveram os cargos que ostentam no foral.

 

Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1018, de 15/11/1994.

 

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha





FORAIS MELGACENSES

 
     Há muitos, muitos anos, passou-me pela cabeça aprender latim e traduzir os forais dados à nossa terra por Afonso I e Afonso III; o foral de Manuel I está escrito em português, embora para o leitor comum não seja fácil lê-lo sem se atualizar a sua grafia. Nunca cheguei, por razões alheias à minha vontade, a dominar a língua de Cícero; o que sei não é suficiente para meter ombros a tão árdua tarefa. Assim, tive de solicitar ajuda a dois eminentes latinistas: os padres Henrique Pinto Rema e António Pereira da Silva, que amavelmente traduziram para a nossa língua tão importantes documentos para a História de Melgaço. Também colaborei nessa tradução, pois conhecendo melhor do que eles o passado do nosso rincão aqui e ali detetei algumas falhas de pormenor que corrigi, espero, da melhor maneira. Por exemplo: no foral consta «ripa auie»; a tradução correta seria «riba de ave», não obstante a tradução é «Ribadávia»! Sabemos isso porque no foral do rei venturoso se diz: - «E deu-lhe outro foral segundo o de Rybadave…»   

 
     O padre Bernardo Pintor publicou em 1975 uma obra notável que intitulou «Melgaço Medieval»; nesse livro está traduzido o foral do século XII. No final o padre Pintor informa-nos: «Está escrito em latim deficiente e há dúvida na tradução de algumas expressões. Fiz o melhor que soube e pude.» A minha opinião é esta: o padre Bernardo traduziu bem o documento, simplesmente omitiu uma pequena frase e não foi feliz na tradução de uma ou outra palavra. Não desvaloriza de modo algum o seu trabalho. Não tenho quaisquer dúvidas que um dia há-de aparecer alguém a pôr defeitos nesta tradução de 1994. Se for para emendar erros, esse alguém seja benvindo.

     Espero que esta minha contribuição seja bem recebida e estimule os melgacenses a interessarem-se pela História do nosso tão esquecido concelho. Daqui faço um apelo ao Cónego Doutor José Marques para não esquecer a promessa que nos fez no seu livro «O Mosteiro de Fiães», página 21: «… Cartulário de Fiães, cuja edição programamos».

 

1.º Foral

      Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ámen. Eu, Afonso, rei de Portugal, com o príncipe Sancho, meu filho, e as minhas filhas infantas Teresa e Urraca, a vós, habitantes de Melgaço, faço carta e escritura da herdade que possuo na Terra de Valadares (1), no lugar designado Melgaço. Eu vo-la entrego com seus termos e lugares antigos, bem como a íntegra metade de Chaviães, por onde a puderdes achar ou reivindicar. Confio-vo-la com a responsabilidade de cuidardes do seu desenvolvimento e de nela morardes, de acordo com o modelo de foral que me solicitastes, ou seja, o do burgo de Ribadávia, pois o achastes bom. Entendam bem o que vos digo, pois eu quero ser justo convosco. É este o seu conteúdo:

     Cada um de vós pagará, a mim ou ao meu mandatário, pelas vossas casas, um soldo (2) todos os anos; os carniceiros pagarão dois soldos, igualmente uma vez por ano: metade depois das festas de natal do senhor, e a outra metade no terceiro dia depois da festa da Assunção de Santa Maria. Quando o vosso rei visitar a vossa vila entregar-lhe-eis seis denários (3) para a sua coleta, não mais; se ele aqui vier mais do que uma vez no mesmo ano, fica ao vosso critério oferecer-lhe o que bem entenderdes. Do pão e do vinho que produzirdes ou comprardes, bem assim como de todos os tecidos e animais que venderdes ou comprardes, de todas as transações realizadas entre vós, e das vossas moagens e fornadas, e da vossa almuinha (4), prestai somente contas a Deus (5). Aos comerciantes de fora que cheguem com as bestas carregadas de quaisquer produtos, cobrareis um soldo por cavalo ou macho. Entregareis ao vosso rei seis denários por égua, quatro denários por burro, e dois denários por peão (6). Se algum mercador chegar com fazendas, pode vender toda a carga por grosso, não a retalho, a não ser em dia de feira; e se proceder de outra maneira pagará trinta soldos aos juízes da vossa vila e ao meu representante (7). Por falso côvado (8) e falsificação de toda a medida de pão, vinho e sal, pagará, o falsificador, cinco soldos. Se aqui vier alguém que queira vender cavalo ou mula, os compradores pela transação devem pagar: por cavalo um soldo ao hospedeiro (9) e um soldo ao rei; por mula, pague três soldos ao hospedeiro e três soldos ao rei; por égua seis denários ao hospedeiro e seis ao rei; por asno pague três denários ao hospedeiro e três ao rei. Os moradores da vila nada pagarão nas compras e vendas, quer sejam efetuadas na feira quer fora dela, excepto: por manto de uma única cor, quatro denários; por saia de uma só cor, dois denários; por manto de pele de coelho (10), quatro denários; por manto listrado, dois denários; por saia listrada, um denário. E por capa galega, dois denários; por pele de cordeiro (11), dois denários; por pele de cabra, um denário; por pele de boi, quatro denários; por pele de vaca, dois denários. Os mercadores de fora, não moradores na vila, não terão quaisquer isenções. // continua...
 
 
Notas:
 
01 – Valadares foi terra importante na idade média, sede de concelho até ao século XIX (1855), altura em que se desmembrou a favor de Monção e de Melgaço.
 
02 – O soldo, moeda de prata, valia doze denários.
 
03 – Denário, ou dinheiro; antiga moeda de cobre.
 
04 – Casal, herdade, horta murada, propriedade suburbana.
 
05 – Isto é: à igreja, pagando os dízimos.
 
06 – Pessoa que vinha a pé.
 
07 – Pressupõe-se que seria 15 para cada parte.
 
08 – Antiga medida de comprimento que correspondia a 66 cm.
 
09 - «Hospiti» no texto. Levantam-se algumas dúvidas: quem é o hospedeiro, o vendedor? Quanto custava um cavalo nos anos 80 do século XII? Por mula pagavam três soldos e por cavalo somente um soldo?!
 
10 - «Coelio» no texto. O Dr. Augusto César Esteves traduziu por coelho; o padre Bernardo Pintor por manto célio, isto é, da cor do céu (azul). Eu consultei o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e lá consta: «coelio em 1181», (Leges, página 422), referindo-se a coelho.   
 
11 – No texto lê-se: «pelle cordeira». É possível que abranja os três tipos de pele: ovelha, carneiro e cordeiro.
 

 
 
 

domingo, 19 de fevereiro de 2017

GENTES DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha
 
 
 
microbiografias
 
GREGÓRIO, Germano. Filho de Dúlia Gregório, solteira (e de Inocêncio Pereira, solteiro nessa altura), ambos da Vila. Neto materno de Francisco Joaquim Gregório e de Carlota Joaquina Colmeiro. Nasceu na vila de Melgaço a 23/4/1932. // Quase com dez anos de idade, com a 3.ª classe, perde sua mãe, que estava internada no hospital ou no asilo. Ele fora acolhido pelo hospital da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço, onde se manteve até aos onze, doze anos. Como levantava alguns problemas à Misericórdia de Melgaço vai para o Porto, para uma Instituição Social – ali começa a aprender a profissão de marceneiro. Aos quinze anos sai daquela Instituição e segue para a cidade da Guarda, para outra Instituição, onde lhe ensinam a arte de sapateiro. Joga também futebol. Fica ali até ir à inspeção e ingressar no serviço militar. Assentou praça a 27/4/1953. Fez tropa obrigatória de 1953 a 1954 – dezoito meses. Findo esse tempo, requere a continuação, agora como contratado. O requerimento é deferido. Esteve um ano em Mafra; dali parte para Braga, Infantaria 8, e neste quartel ficará até à sua passagem à reserva, em 1989, com as divisas de 1.º cabo-adjunto. Fora motorista de oficiais de alta patente. // Casou em Braga, em 1958, com Teresa de Jesus, filha de Firmino Vieira e de Adelina Antunes, natural de Vila Verde. // Tiveram três filhos: José Manuel (nasceu em Braga a 25/7/1964 e casou com Ana Rodrigues); Maria Domitília (nasceu em Braga a 18/10/1962 e casou com Fernando José Ferreira da Costa); e Maria das Dores (mãe solteira de uma menina – parece que casou posteriormente com outro namorado e emigrou para França). // Germano Gregório reformou-se em 1995 (A Voz de Melgaço n.º 1036). // Morreu em Braga a 26/4/2007, e foi sepultado no cemitério Monte d’Arcos. // Nota: apesar de ter nascido na maior pobreza, foi equilibrando a sua vida, e acabou por viver feliz com a sua mulher e filhos. Somente uma coisa o entristecia: o não ter descoberto o paradeiro da sua irmã (por parte da mãe), Luísa Maria Gregório, nascida na vila de Melgaço a 19/6/1927, e levada para outra vila ou cidade, com doze ou treze anos de idade, por um juíz de direito e sua esposa, os quais a devem ter perfilhado e mudado o nome.         

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

POEMAS DO VENTO
 
Por Joaquim A. Rocha
 
 
 
POMBA

 

 

Encontrei na minha rua

Uma pomba muita mansa;

Era mais bela que a lua,

Usava o cabelo em trança.

 

Trepou para o meu cachaço,

Beijou-me o pescoço todo;

Chamou-me belo e madraço,

Sujou-me todo de lodo.

 

Apaixonou-se por mim,

Mostrou-me a todos em público;

Chamou-me anjo, serafim,

Julgando que eu era abúlico.

 

«Ouça lá, sua maluca,

Veja se tem algum juízo;

Você é pomba, não cuca,

Vá dar a outro seu riso 

 

A pobre pomba chorou,

Sentiu-se só, desprezada;

Mas ninguém a abandonou,

Nem era presa caçada.

 

«Siga mas é seu destino,

Deixe-me em paz e sossego,

Procure outro bambino,

Um com cara de patego

 

Afinal era princesa,

A pombinha bela e mansa;

Fora a feiticeira Reza

Que a embruxara em França.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
 
Por Augusto César Esteves
 
 
 
     Outra recorda D. Sancho I e a sua política que, certa vez, pôs Melgaço em pé de guerra e levou a mesnada dos seus peões incorporada na hoste real. Foi nos fins de 1196, ou nos princípios do ano seguinte, quando invadiu a Galiza, como aliado dos reis de Castela e de Aragão. Aos historiadores da vida nacional escasseiam documentos elucidativos das particularidades de toda a empresa e, não obstante aos monógrafos de Melgaço faltar qualquer letra expressa para abonarem o acerto, a verdade ficou dita, porque a campanha há-de ser também apreciada pela crítica à face das regras e princípios que informavam o serviço militar.

     Conhecem-se a tomada de Tui e mais alguns feitos da hoste espalhada por aqueles sítios. Se esta invasão das tropas de D. Sancho I atingiu Pontevedra, como relatam escritores que trabalharam este período de lutas com o rei de Leão, as lanças dos avós de nossos avós na empresa se viram, ajudaram a talar campos, a entrar castelos e não deixaram também de bater às portas daquela vila galega, porque embora a quadra fosse de fins de Outono – princípios de inverno, aqui não ficaram todos a comer castanhas à lareira. A este «dolce farniente» opunham-se a característica da campanha e situação da terra, a organização do serviço militar nos primeiros reinados e as obrigações contraídas pelos súbditos para com o soberano. Nesta guerra entrou a hoste real e para a engrossar que necessidade tinha D. Sancho I de trazer até ao norte a peonagem do sul? Se por todos os cantos de Melgaço, nessa altura, livremente passava ainda a raposa, por a Vila ser terra aberta e, quando muito, apresentar à volta da torre os andaimes dos canteiros do assento, que perigo de contra ofensiva nesta parte da fronteira podia antolhar-se para a mesma ficar fortemente guardada das arremetidas do leonês? Se o seu valor, como ponto de defesa, era nulo e o de presa de guerra devia equivaler àquele, para que, pois, haviam de ficar aqui, de folga, as muitas ou poucas lanças dos peões locais?

     De resto, como Melgaço era povoação da Coroa, e só habitada por jugadeiros, não obstante o seu foral ser omisso quanto à prestação do serviço militar, e no seu termo não haver a fina flor do povo, representada pela classe dos cavaleiros vilãos, todos os homens abrangidos na administração municipal, ou povoando os reguengos, incrustados no termo, por isso mesmo, estavam obrigados, como todos os outros do país não exceptuados expressamente nos forais, ao encargo de acompanharem o monarca, enquadrados na hoste real, quantas vezes ele os convocasse para entrarem em som de guerra pelas terras alheias ao seu domínio. Assim tem de ser entendida a omissão verificada no foral; doutra forma Melgaço estaria dispensado também de correr às armas para se defender de qualquer fossado partido da Galiza. // Ora não se compreende como aquela obrigação militar, sempre tão ciosamente exigida de toda a gente, nobre ou plebeia, remediada ou rica, fosse agora obliterada em benefício do Concílio de Melgaço, um concelho quase fronteiriço ao campo de operações e tão chegado aos objectivos a atingir pelo rei, visto não se tratar de fossado ou guerra contra os mouros já quase verdadeiros antípodas dos nortenhos.

     Não se compreende nem alcança por que motivo, no preciso momento de perigo para a nação portuguesa e de esforço colectivo contra inimigo poderoso, o rei houvesse de isentar da obrigação de irem naquela hoste os seus reguengueiros e todos, ou alguns, dos lanceiros do município de Melgaço, concedendo-lhes um privilégio tantas vezes negado aos outros homens livres, como não se alcança, nem descobre, causa para a este termo não chegar a convocação real, ou razão por que os moradores do termo se recusassem a acompanhar o seu rei nesta empresa, negando assim e abertamente obediência a quem lhes havia dado já uma sensível prova de atencioso carinho e de graciosa generosidade – a doação da «hereditate sancte marie da erada», como consta deste tão interessante documento do Cartulário de Fiães, duas vezes curioso, ouseja, pela resenha da família real e pelo número de mitras confirmantes.                
 

«De Figueiredo – In dei nomine. Hec est carta firmissime donationis et cum canbii quam iussi fieri. Ego Santius dei gratia portugaliae Rex una cum filio meo Rege domno alfonso et alteris filiis et filiabus meis. Vobis donno iohanni abatti de fenalis et fratribus vestris tam presentibus quan futuris de illis quatuor casalibus et demidio que habuimos in villa que vocant Figueiredo. Damus igitur vobis hec quator casalis et demidium per remissione pecattorum nostrorum et per hereditate sancte marie da erada quan pater meus rex domnus Alfonsus vobis dedit et nos dedimus eam poplatoribus de melgazo. Quicquid autem in iam dicta villa de figueiredo habuimos vobis damus et iure hereditario habendum concedimus in perpetuum cum omnibus que in ipsis casalibus ad ius nostrum expectat quicquid igitur hoc nostrum factum vobis integrum observaverit sit benedictus a domino amen.
     Facta fuit hac karta apud Scaren. III. idus. Decembris. sub era M.CC.XXX.VII. Nos reges qui hanc kartam fieri percepimus coram subscritis eam roboravimus et in ea hac signa fecimus. Qui affuerunt. // Martinus bracarensis archiepiscopus - confirma. // Martinus portugalensis episcopus // Petrus lamecensis episcopus // Nicolaus vicensis episcopus // Petrus colimbriensis episcopus // Suarius ulixbonensis episcopus // Plagius elborensis episcopus // Johannes Fernandiz dapifer domni regis // Martinus Fernandiz // Dominicus Osoreus // Gonsalvus Menendiz maiordomus curie // Plagius moniz signifer domni regis // Nuno Sancii qui tunc tenebat ripam minii // Martinus Lopes // Garsia Petris // Fernandus Fernandiz // Petrus Nuniz - testes // Selo rodado: Rex dom’ Santius // Rex dom’Alfons’ // Reg. Dona Berengaria // Regina dona Sãchia // Regina dona Tharasia // Regina dona Mafalda // Regina dona Blãca // Rex dom’Petrus // Julianus Notarius Curie.»    // continua...