domingo, 28 de maio de 2017

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha






CASA DA BOAVISTA


     O morgadio da Boavista, em Rouças, foi fundado a 10/4/1751 por Fernando Lobato de Castro (filho do capitão Agostinho Soares de Castro e de Francisca de Quevedo), e por sua esposa, Boaventura Teresa de Sousa, e acrescentado por codicilo a 29/3/1764. A 7/12/1862 Joaquim Tomás Feijó e sua mulher, Caetana Delfina, neta daquele Fernando Lobato, anexaram-no ao morgadio da Cordeira. O usufruto da Quinta veio a pertencer ao padre António Joaquim Correia Pimenta Feijó que, a 15/11/1885, seu irmão Manuel lhe doou, usufruto que este sacerdote a, 16/10/1905, vendeu ficticiamente, por 600$000 réis, a Gaspar Alves (Rebelo), indo a mesma Quinta cair na sua posse a 12/3/1914 pelo falecimento de Manuel Correia Feijó. // O lugar teve água canalizada em finais de 1990.

 
     Sita em Rouças. Pertenceu a Manuel Correia Pimenta Feijó, na qual morreu a 12/3/1914, como acima se disse. Tinha nascido a 20/11/1830. / Nessa Casa aconteceu uma história de amor proibido: Ana da Pureza era filha dos fidalgos Bernardo António Pereira de Castro e de Maria Genoveva Feijó, proprietários, do lugar de Eiró, freguesia de Rouças. Acontece que a menina Ana, por volta de 1893, com os seus 18 anos de idade, se apaixona por um rapaz da mesma idade, seu conterrâneo, um moço de lavoura. O caso deu que falar. O regime monárquico não tolerava estas ousadias. O rapaz, Gaspar José (papa-figos), filho de Teresa Alves (Rebela), mãe solteira, correspondeu a esse amor, e às escondidas lá se foram encontrando. A rapariga ficou grávida e a 25/4/1895 nasceu uma menina, Isolina da Glória. Durante cinco anos a família de Ana da Pureza tentou demovê-la, mas ela, logo que se apanhou com a herança por parte da mãe, entretanto falecida, casa, na igreja de Rouças, a 6/10/1900. Teve duas testemunhas de peso, no acto religioso: o padre Manuel Caetano Alves Salgado e o sobredito Manuel Correia Feijó, solteiro. Os noivos, no decorrer da cerimónia, declararam ao pároco que reconheciam como sua legítima filha a criança ali presente, já com cinco anos de idade. Depois do casamento tiveram mais criancinhas. / Ana Pureza faleceu a 12/12/1922, na Casa da Boavista, que herdara! Gaspar José faleceu a 8/1/1942 .





sexta-feira, 26 de maio de 2017

A ADVERSIDADE POR MADRASTA
 
Por José Alfredo Cerdeira





I

Terra agreste, salpicada de penhascos, coberta de codessos, urzes e giestas, capaz de negar ao homem o pão que semeou e regou com o suor do seu rosto curtido por muitos trabalhos, enregelado por muitas neves e por imensas geadas no inverno, e ressequido no estio pelo muito calor, terra que se recusa a germinar o milho, a alimentar a vinha, a lourejar o trigo, a vicejar a hortaliça, a produzir o feijão. Em suma: terra inóspita é aquela que rodeia os píncaros da serra da Peneda, onde as estações do ano se resumem a um longo e frio inverno e a um passageiro mas quente verão. Os seus habitantes granjeiam alguns palmos de terra, entre os pedregulhos, à míngua de terras aráveis que lhe proporcionem o sustento para si e para os seus. As únicas culturas que ganham pé em tais paragens são a do centeio e a da batata. Os terrenos mais pesados, nas baixas, aproveitam-nos para os fenos, base de alimentação dos animais, durante o tempo invernoso. Em contrapartida, tais sítios acoitam lobos, são um paraíso para os coelhos, oferecem pouso às perdizes, acolhem as raposas. São terras fustigadas por ventos impiedosos que, na força da invernia, bramem por montes e vales, arrepiando o mais afoito com o seu som lúgubre. A neve cobre com o seu manto imaculado toda a extensão que a vista abarca, coagindo os naturais a procurar o aconchego das lareiras, obrigando os animais a permanecerem nas cortes, paredes-meias com as habitações, no intuito de facilitar o seu tratamento, sem necessidade de se exporem à intempérie.

        «Cada terra tem seu uso, cada roca tem seu fuso», lá reza o adágio popular. Naturalmente, certos espíritos menos afeitos à vida campestre, aqueles que se vangloriam de viver em zonas ditas civilizadas e desenvolvidas, não aceitarão de boa mente, julgando mesmo inverosímil a existência de terras como aquela a que nos referimos, mormente em pleno século vinte, o século dos computadores, dos grandes avanços da ciência. Acham-se superiores aos seus habitantes, olvidando, no entanto, que eles gozam de liberdade de movimentos e de desassombro de espírito, não se confinando entre as quatro paredes dos exíguos apartamentos, quantas vezes compartilhados, com vista a fazer face às despesas e colmatar o escasso orçamento familiar. Tais arautos da civilização vivem emparedados em autênticas colmeias iluminadas por janelas mal orientadas, cozinhando em espaços que mal permitem que duas pessoas se cruzem, dormindo em cubículos onde mal cabe uma mobília decente, gabando-se da sala de jantar com uns exíguos quinze a vinte metros quadrados. Coitados! Sentem-se superiores a quem optou por viver no campo. Esquecem-se, todavia, que estes têm o horizonte como fronteira e toda a luz do sol como fonte de iluminação! Facto concreto é que as terras acima citadas lá estão à disposição de quem as quiser visitar. E asseguro-vos que valerá a pena a viagem, mesmo levando em linha de conta o incómodo do itinerário. Se outros atractivos não existissem, somente o respirar o ar puro recompensar-vos-ia da despesa e da maçada. Podem crer que paisagens deslumbrantes não faltarão, também, a justificar a visita.

        Os naturais desta terra seguem ainda os usos e costumes de antanho, que os seus ancestrais praticavam, desprezando hábitos modernos, apesar de lenta mas porfiadamente principiarem a ser implantados, sobretudo entre as camadas mais jovens. Os mais idosos, na década de cinquenta, e ainda mais na década de sessenta, emigraram para França, em busca de salários dignos, com a mira de amealharem um pecúlio que os livrasse da miséria, especialmente na velhice. Era vê-los, aos rebanhos, guiados por passadores desprovidos de escrúpulos, que enriqueceram à custa da miséria alheia, calcorreando carreiros de montanha ou encafuados dentro da caixa de uma camioneta de carga, misturados com as parcas bagagens, aos solavancos, mal comidos, cabeceando de sono, tiritando de frio no inverno, ou transpirando no verão. Houve alturas em que se não vislumbrava um único homem válido, por toda aquela corda de freguesias. Consta, até, que estando inscritos nos cadernos de recenseamento militar cerca de quatro dezenas de mancebos, nem um só compareceu às inspeções, por todos se encontrarem emigrados.

          Para nos podermos situar no tempo, convém ter em linha de conta que quanto se relata ocorreu nas primeiras décadas do século vinte.

        O povo desta zona ufana-se de ser simples, trabalhador e, acima de tudo, respeitador da palavra empenhada. Nesta terra, a palavra dada como garantia vale um testamento. Regozija-se pelas maravilhas da natureza que o rodeia, elevando um pensamento ao Criador agradecendo a oferta gratuita de cenários tão deslumbrantes. Não se deleita a apreciar montes e vales por antever locais ideais para a rodagem de um filme, por calcular serem causa da inspiração para criar um quadro, nem, tão pouco, por julgar ser propício à iluminação do espírito de algum poeta e, muito menos, por achar ser local magnífico para construir uma pousada de muitas estrelas, por consequência, cara. Não sente avareza ao espraiar a vista pelos cenários deslumbrantes que o cercam. Admira as coisas tal qual elas se apresentam e não como elas se conseguem. Vive a seu modo, pouco o preocupando a evolução da moda, as cotações da bolsa, as dificuldades das empresas, a carestia da vida, a inflação galopante, tudo, enfim, quanto inquieta um citadino. Importa-se, isso sim, com o bom ou mau tempo, com uma rês doente ou tresmalhada, com uma galinha que põe os ovos em lugar desconhecido. Em seu entender, as almas do outro mundo detém maior poder que todas as bombas atómicas, que todos os foguetões que possam cruzar os oceanos, que todos os aviões supersónicos que roncam nos céus, que todos os satélites artificiais que brilham no firmamento. Ao olhar um avião riscar o azul do céu, crê ser um engenho feito pelo homem, se todavia lhe disserem que naquela cruz prateada viajam dezenas, senão centenas de pessoas, fica de pé atrás, crendo apenas se verificar por si próprio, como São Tomé.

            Tive oportunidade de assistir a uma situação que demonstra o pensar dessa gente, quando uma dessas pessoas foi obrigada a deslocar-se a Lisboa e pediu para que a levassem ao aeroporto a fim de assistir à chegada de um avião. Ao aterrar um aparelho, aguardou que abrissem as portas e contou até trinta o número de pessoas que dele saíam. Dando-se por satisfeita, abandonou o local, dizendo:

        - Já posso afirmar que o avião transporta muita gente. Eu verifiquei, pessoalmente.

        Em tempos recuados, grandes soutos, carvalhais e pinhais ganhavam pé desde o leito do rio Minho até a meia encosta da serra. Actualmente, os soutos desapareceram quase na totalidade, os carvalhais estão reduzidos a um punhado de árvores carcomidas pela passagem dos anos, restando os pinhais, conquanto, ciclicamente, os fogos se encarreguem de os consumir. Verdade seja dita, os serviços florestais empenharam-se no plantio de grandes extensões com arvoredo diverso, que em muito hão-de contribuir para a reflorestação de toda a região e, como se infere, para o enriquecimento da zona, se porventura o flagelo dos fogos não acabar por destruir o trabalho do esforço de anos, como desgraçadamente tem acontecido por esse país fora, sem que ninguém tome medidas eficazes ou elabore legislação que desmotive certos interesses menos confessos. Obviamente, fogos acidentais sempre existiram e existirão. Precisam ser erradicados os atiçados por mão criminosa. Paninhos quentes, tão em voga neste país de brandos costumes, nada resolverão como, aliás, se tem constatado.

           Será, pois, neste ambiente peculiar que se desenrolarão os factos que seguidamente narraremos.  // continua...

quarta-feira, 24 de maio de 2017

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha







MACRÓBIOS


FREGUESIA DE PENSO

 
AFONSO, Firmino. Filho de Lourenço Afonso e de Maria Teresa Rodrigues, lavradores, residentes no lugar de Lages. Neto paterno de José Afonso e de Joaquina Rosa Pereira; neto materno de Manuel José Rodrigues e de Maria Luísa Rodrigues. Nasceu em Penso a 1/3/1903 e foi batizado na igreja católica a 3 desse mesmo mês e ano. Padrinhos: Firmino Pereira, casado, proprietário, e Maria Gonçalves, solteira, camponesa, ambos de Penso. // Casou na CRCM a 14 de Julho de 1927 com a sua conterrânea Rosa Esteves Barbosa, de 24 anos de idade, filha de Manuel Francisco Esteves Barbosa e de Angelina Esteves Codesso. // A sua esposa faleceu em Penso a 25/10/1956. // Casou em segundas núpcias, na igreja de Penso, a 14/7/1962, com Cândida Ferreira, de 26 anos de idade, natural de Lobeira, Ourense, Galiza, filha de José Maria Ferreira e de Olívia da Silva. // Morreu na sua freguesia natal a 5/2/1995, com 91 anos de idade, e foi sepultado no cemitério local.

 *

CALDAS, Manuel José. Nasceu em Penso por volta de 1795. // Era conhecido por “Cirurgião de Real”. // Segundo consta, foi uma das maiores vítimas do bandido “Tomaz das Quingostas”. // Casou com Rosa Alves, sua conterrânea. // Morreu a 26/2/1891, com 96 anos de idade. // Com geração (ver em São Paio). 

 *

CORDEIRO, José Joaquim. Filho de João António Esteves [Cordeiro] e de Maria Quitéria Gonçalves. Nasceu em Penso por volta de 1813. // Lavrador. // Casou em primeiras núpcias com Ana Luísa Alves. // Morreu a 7/10/1904, no lugar das Lages, com todos os sacramentos da igreja católica, com 91 anos de idade, no estado de casado, em segundas núpcias, com Maria José Esteves Pires, sem testamento, com filhos, e foi sepultado no cemitério público da sua freguesia de nascimento. 

domingo, 21 de maio de 2017

OS MEUS SONETOS
 
Por Joaquim A. Rocha

 




Corro em busca de coisa nenhuma,

Sabendo que não a vou encontrar;

Então porque a estou a procurar,

Rastejando na noite como o puma?

 

Tudo de mim foge, tudo se esfuma,

O quente sol, o noturno luar,

Até a sombra de um casto olhar,

Tudo se esvai como a frágil espuma!

 

Mesmo assim eu continuo, insisto,

Nessa procura incessante, sem fim;

Ninguém me convence, não desisto.

 

Sou como Ulisses, fui sempre assim…

Em coisas sem valor, aposto, invisto,

Fugindo do equilíbrio, de mim.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

OS NOVOS LUSÍADAS
(tentativa de continuação de «Os Lusíadas» de Camões
 
Por Joaquim A. Rocha







76

 

Vai pra Coimbra a Universidade,

Contrataram distintos professores,

Pois o saber não tem tempo e idade,

Apenas curiosos e cultores.

Nasceu por mercê novas faculdades,

Estatutos novos, muitos doutores.

Pra que nas terras não surja a inveja

Prometem-se outras pra  Faro e Beja.

 

77

 

Vêm do estrangeiro sábios mestres,

Ensinar aos lusos novas ciências,

Não vêm doutro planeta, são terrestres,

Mas no lauto saber são excelências,

E no comportamento são pedestres,

As vaidades neles são excrescências.

Ensinam também novas técnicas e artes

Para que aqui conste e noutras partes.

 

78

 

E pra que nada falte a este país

Vem de Roma a Companhia de Jesus;

Trazem na bagagem projetos de raiz,

O ensino gratuito, muita cruz;

Pregam na capela, igreja matriz,

Onde haja pouca ou muita luz.

Destaca-se São Francisco Xavier,

Divulga o seu credo a quem quiser.

 

79

 

Nóbrega e Anchieta vão para o Brasil,

A fim de divulgar a sua fé,

Convertem índios, cem ou mil,

Brancos, que por ali andam a pé;

Nos seus bolsos apenas um ceitil,

Caminham a favor, contra a maré.

Outro grande herói, Leonardo Nunes,

Nunca deixou os hereges impunes!

 

80

 

Dom João, para manter o império,

Devido às gigantescas despesas,

Lançando aos céus duro vitupério,

Prometendo mundos, novas proezas,

Deixa em África cair fortalezas,

E tudo o mais que é pra nós mistério.

Ganha-se na China a bela Macau,

Em São Tomé produz-se o cacau.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

OS NOVOS LUSÍADAS
(tentativa de continuação de OS LUSÍADAS de Camões)
 
Por Joaquim A. Rocha 






67

 

Os que se converteram a Jesus

Serão designados de cristãos novos; 

Carregarão nos ombros outra cruz,

Ficam presos, tal galinhas nos covos.

Os seus olhos jamais verão a luz,

Tudo parecerá negro de corvos.

Esquecerão o Alá e Javé,

Agora têm outro credo e fé.

 

68

 

Ai que coisa esta das religiões

Que transforma os humanos em reféns,

Ficam cegos, entram em mil prisões,

  Em busca de céus, de divinos bens;

Perdem-se em miríades de ilusões,

Tornam-se vis escravos, zés-ninguém!

Buscam para os seus males uma cura,

Pròs tormentos uma dor menos dura.

 

69

 

Seguem - na senda do desconhecido -

Caminhando além, de olhos vendados,

Buscando milagres, algo par’cido,

E no fim todos se sentem frustrados;

Na pia o menino é benzido,

Levado pelos trilhos já traçados.

Prometem-lhe a cura da sua alma

Lugar no doce céu, com paz e calma!

 

70

 

Grande farsa, conversa de crianças,

Tudo que há está dentro do universo,

Fora existe nada, falsas esp’ranças,

Cabendo tudo num vazio verso;

Os deuses executam lindas danças

Mostrando, da medalha, o anverso.

Humanos devem crer na natureza,

Nossa madre, que nos serve à mesa.

 

71

 

Voltemos a esses reis prepotentes,

Beis do mundo, senhores absolutos,

Donos de mil burgos, das suas gentes,

Ágeis, cruéis, velhacos e astutos,

Sempre irritadiços, descontentes,

Horríveis, sanguinários, brutos.

Deram-lhes bons cognomes os cronistas

A fim de iludir o povo, suas vistas.

 

72

 

Dom João, inspirado, genial,

Olhando as mil riquezas da terra,

Subido tesouro, manancial,

Abandona o mar, deixa a guerra,

Torna o casto Brasil colossal,

Uma fase da história encerra.

Divide tudo  em capitanias,

Tomé de Sousa foi vero Elias.

 

73

 

Distribuiu as terras por colonos,

Todos eles de origem portuguesa,

Tornando-se assim verdadeiros donos,

Descobrindo ouro, criando riqueza;

Vendo belos pássaros, feios monos,

Esquecendo mares da incerteza.

Ganhando à terra terno amor,

Cultivando-a com ganas e suor.

 

74

 

Pagavam à coroa certos direitos,

Dinheiro que enchia cofres do Estado,

Fazendo crescer os fortes peitos

De fidalgos e rei mal amado;

Erros crassos e enganos desfeitos,

Tudo pertencia agora ao passado.

Fundou-se a cidade São Salvador

Em honra do Santíssimo Senhor.

 

75

 

O Brasil cresceu como um gigante,

Transformando-se quase continente;

E se do rei era mulher-amante

 Era querido de imensa gente.

Por isso, de repente, num instante,

Criou asas, tornou-se independente.

Pulmão do mundo, mil rios, floresta,

Alimenta todo um povo em festa.