segunda-feira, 14 de agosto de 2017

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha
 
 
 
 
 
cartas de um castrejo
 
 
26.ª - «Senhor Redactor: nem sempre, daqui, podemos dar louvores e por isso é para nós da maior satisfação registar o procedimento da Guarda Fiscal, deste e outros postos desta freguesia, abastendo-se de comparecer na festa da Senhora da Vista, nas Cainheiras. Tudo na melhor ordem e harmonia, na linda festinha – sem um senão, sequer. A música de Melgaço houve-se com tal galhardia que as rochas da Anamão ainda hoje repetem os ecos dos seus acordes…» (Correio de Melgaço n.º 211, de 13/8/1916). 
 
27.ª - «Senhor Redactor: não há escola agora. // A Guarda Fiscal tomou um aprumo louvável – decerto por imposição superior. // As searas estão ceifadas pela foice inclemente do segador. // O calor aperta, mas não tanto que nos torne as águas insalubres. // A Europa, ou melhor, o Mundo, convulsiona-se; e o castrejo, através de uns vidros foscos, por não ter retina de águia, vê estas misérias (…) e também vê as grandezas. E, como combatente rijo, duro, áspero e infatigável, a favor da terra que lhe foi berço, aborda, muito de mansinho, a próxima exploração duma mina (oh! que minas nós temos) de estanho, para purificar. // Abraçamos com íntima satisfação o Comendador, de volta da Ribeira. // O amigo Ventura foi para as Caldas de Monção.» (Correio de Melgaço n.º 212, de 20/8/1916).  
 
28.ª - «Senhor Redactor: foi o domingo passado, para nós, um manancial de esperanças, e sabe V. que é da esperança que o homem vive: - desde o imberbe que tem a sua namorada, de quem se julga adorado, até ao velho que, conquanto a todo o momento busque, curvando-se, a sepultura, faz pela vida. Bela e risonha esperança! Inconfundível sonho humano! É que os senhores Joaquim Oliveira, deputado da nação, Dr. Amaro Oliveira, administrador e ex-administrador do concelho, recebedor, Henrique Fernandes Pinto, José Durães e António Esteves, aqueles o presente e estes o futuro, visitaram-nos. Daqueles esperamos que, vistas as nossas reclamações, advoguem, no Congresso, as justíssimas causas que desafiaram as nossas cartas, e que de viso avaliaram, a propagação das nossas belezas horríveis – mas naturais e inconfundíveis… Destes esperamos também e com foros de legalidade que, amanhã, quando forem os homens a que aspiram, se recordem de que Castro Laboreiro, embora terra inóspita (…) alberga dedicações e almas generosas e… que não são à moda das de lá de baixo, rudes, mas belas na sua rudeza. Saibam, pois, S. Ex.ªs que nos confundiram com amabilidades e a distinção que se alia sempre à educação e instrução: - nós queremos escolas, pelas quais havemos sempre pugnado; nós não aspiramos ao caminho-de-ferro, para já, mas as riquezas que contêm os nossos montados cá no-lo trarão, ainda que não seja senão aéreo (…); nós não devemos pagar contribuições (em estado normal, claro – que as da guerra teríamos a menos que no-las dispensassem), porque, esta terra sáfara, precisamos regá-la com o próprio suor dos filhos e das esposas, para nos dar pão para dois meses (…) Que mais dizer? Só recordamos, que os olhos de V. Ex.ªs, mais argutos reconheceram das nossas extremas necessidades. Saía-se da missa do dia, e a voz do Comendador, autoritária e rija, convidou-nos a ir até às Lajes, à espera dos Ex.mos visitantes. Fomos, como bom castrejo, assistimos ao discurso de apresentação de S. Ex.ª, como às suas reclamações, promessas (milho e estrada), desfilamos ordeiramente, na vanguarda de cavalgada, assistimos ao café, em casa do Comendador, que precedeu o almoço, assistimos a este (…) ali mesmo junto à ponte – note-se que, no local, destacavam-se o nosso regedor, a governante do Comendador, este e eu. Depois dos últimos petiscos acompanhamos a simpática caravana ao castelo, entramos pela porta falsa, e vigiamos que alguns dos simpáticos moços e endiabrados nos não namorassem a querida moura que aquelas vetustas muralhas nos hão guardado há tanto tempo… Castro Laboreiro, 24/8/1916.»
// continua...
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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